quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A caixa preta

O investigador, experiente de outros episódios, tem dúvidas: tanto o piloto como o computador podem ter errado. É cedo para saber.

A posição do brigadeiro contrasta com a pressa com que o governo quer se livrar de suas próprias culpas, atirando para todos os lados. É o computador, é o piloto, daqui a pouco será o destino ou a fatalidade. Mas os dois acidentes e sua caravana de mortos e feridos levantam obviedades de que o governo não se livrará. Não tão cedo.

Pilotos não são super-homens: têm o direito de errar, como qualquer pessoa. Um planejamento que não considere a possibilidade de erro – humano ou de computadores – não merece o nome. A operação repousará sobre um fio de navalha. Dará errado, num momento ou em outro.

Congonhas, e vários outros aeroportos brasileiros não têm margem para erros. Ou seja: o risco de pouso e decolagem é alto demais, não importa a qualidade do asfalto ou o gruver que estiver ou não nela.

Torres de controle sobrecarregadas, ou com equipamento e/ou pessoal insuficientes, também são bombas latentes. Esta questão não está resolvida, aliás está longe de ser. Os Cindacta param de vez em quando – as pessoas não sabem, porque militares têm mania de sigilo, de inquéritos secretos e aparentar uma eficiência ímpar – quando ela é, no máximo, igual à de qualquer grande empresa que se dê ao nome.

Companhias aéreas fazendo o que querem e o que bem entendem, o tempo todo, com ou sem acidente, isto é responsabilidade direta do governo. De Norte a Sul do Brasil as pessoas se queixam: ora compraram uma passagem para um vôo que já estava lotado, ora foram deixados horas a fio no aeroporto, ora perdem conexões porque o avião atrasou sem ninguém sequer explicar o que aconteceu, ora levam um banho de refrigerante e nem toalha há para secar a roupa, ora a maleta sumiu – enfim, um descaso e um desrespeito só inferior ao praticado pelas companhias telefônicas.

E é pura perversidade mandar reclamar no Procon ou na Justiça: no primeiro caso, as empresas não dão bola. No segundo, o processo “sumário” leva dois anos, com sorte, para ser resolvido. Haja dinheiro e paciência!

Um exemplo claro do desgoverno aéreo é o programa Smiles, da Varig. A empresa reduziu suas operações, mas jamais se deu ao trabalho de explicar aos milhares de associados do programa o que aconteceu com a milhagem acumulada. Nem o governo a obrigou e, pior – sequer verificou se a companhia tem condições de cumprir as milhagens gratuitas já em poder dos clientes.

Da mesma maneira como não se preocupa em saber se as demais empresas, com programas semelhantes, podem ou não cumprir o compromisso com as milhagens gratuitas. Enquanto isso, culpa-se o piloto – é mais fácil, ele está morto.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

O ouro será olímpico?

As 54 medalhas obtidas no pan-americano parecem ter desencantado o esporte brasileiro, acenando com perspectivas novas. Mas há alguns pontos a ponderar, antes que se criem expectativas exageradas para as Olimpíadas.

O primeiro ponto é o fato de que, sendo os jogos no Brasil, é mais barato para os atletas brasileiros participarem. Por exemplo: dificilmente Marreco conseguiria ir para outro país, às suas próprias custas. Ele não tem patrocinador, nem qualquer entidade esportiva admitiria custear o deslocamento do atleta e mais aluguel de lancha, piloto e combustível para treinamentos e provas. Um ouro a menos.

O dinheiro também fez diferença na natação, no judô e na ginástica: as três modalidades contam com financiamentos constantes de empresas, desde a criação do sistema de incentivos, ainda no governo Fernando Henrique. São vinte anos de maturação – e, no caso do judô, as coisas só começaram a andar depois que Aurélio Miguel ganhou a luta fora do tatami, contra os Mamede, que dominaram e estagnaram o judô durante décadas no Brasil.

Por outro lado, os bons resultados da publicidade aplicada ao esporte permitiram ainda que as emissoras de rádio e tevê, até vinte anos atrás totalmente viciadas em futebol, abrissem espaço para os outros esportes. Elas abrem os espaços movida a anúncios pagos. Galvão Bueno sabe disso, e foi por isso que fez aquela palhaçada de “implorar para que alguém faça alguma coisa pelo futebol feminino”. A tevê não dará espaço para o futebol feminino a menos que alguém cubra a mídia. Além disso, as estruturas de rede nacional nas televisões, com seus leoninos contratos em as afiliadas, impedem as iniciativas locais (o afiliado deve indenizar a emissora-líder pelo uso de tempo fora da programação nacionalmente pré-formatada). Quem se atreve?

Assim, o que começa agora a ser estruturado vai precisar de tempo para ver resultados acontecerem. Mas vão acontecer resultados bons: os parques aquáticos são cada vez mais numerosos em todo o país, os complexos de atletismo, também. O país está menos pobre, o que permite à classe média reservar recursos para pagar aulas, que é o que mantém funcionando a estrutura esportiva amadora, de onde saem os profissionais. O caro tênis já existe em todo o país, e toda uma geração caminha, corre e malha, valorizando com isso o esforço atlético.

Faltariam entretanto algumas medidas para acelerar o processo. A primeira delas refere-se ao uso dos recursos das Loterias, e implica em que o Ministério da Educação se mexa, para refazer e reestruturar toda a área de educação física escolar, acabando com as aulas ridículas e odiadas pelos estudantes e promovendo o esporte nas escolas – de preferência em associação com os clubes e as organizações comunitárias, de forma a otimizar a aplicação de recursos. Eu até hoje não entendo porque pequenos estádios (ou campos) de futebol do interior ficam vazios enquanto os alunos da rede escolar fazem uma pseudo-educação física em sala de aula...

Essas medidas são de governo e não envolvem gastos novos – antes, envolvem o bom uso de um dinheiro que hoje é extremamente mal aplicado.

Outra medida é a adequação escolar ao jovem talento esportivo. Hoje, um atleta de treze ou catorze anos tem que optar entre estudar e treinar. E um de dezesseis ou dezessete, entre treinar e trabalhar. Não precisa ser assim, e nem deve. Neste governo de tantas bolsas demagógicas, a bolsa esportiva foi ignorada totalmente. E a adequação do ensino a um adolescente diferenciado pela própria natureza, nem sequer cogitada.

Finalmente, um último ponto a ponderar: Fidel Castro está no ocaso, arrastando Cuba junto consigo. O Brasil preencheu o vácuo cubano em âmbito latino-americano, mas dificilmente fará o mesmo em âmbito olímpico. Basta conferir as diferenças de marcas nos vários esportes...