segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Está certo, isso?

“A mídia é afrodisíaca”, disse um dia destes o deputado Jáder Barbalho, que já experimentou mídias de todos os quilates e de todos os matizes.

A frase me veio a cabeça ao acompanhar, como o país todo, aliás, as operações do morro do Alemão, no Rio de Janeiro.

Quem foi o Alemão? Um traficante.

Terra esquisita, em que traficante dá nome a um... bairro? Cidade? Na falta de denominação, chama-se complexo. Geralmente os topônimos surgem em decorrência de homenagens, tradição; no caso, o poderio do Alemão foi tanto que batizou a cidade.

Porque é uma cidade, com 400 mil habitantes, segundo disseram.

Mas, voltando à mídia. As poses para fotos ocuparam boa parte dos espaços. O aparato mobilizado ecoou longe, mas que coisa esquisita: usam-se tanques, geralmente, em guerras. Guerras pressupõem inimigos. Brasileiros, inimigos de brasileiros? Inimigos?

Tem-se falado de “ocupação de território”. Mas o território é Brasil! Ali também tremulam bandeiras verde-amarelas nas grandes festas! Se ao menos dissessem que era uma questão de depor um governo paralelo, estariam mais perto da verdade, e, ainda assim, bem longe dela. Porque o tráfico não governa, nem ocupa territórios. O tráfico ocupa espaços sociais, atualmente transnacionais.

Foram alguns dias de exibição midiática. Se deu certo, o tempo dirá. Espero, sinceramente, que tenha valido a pena, que a espinha dorsal do tráfico no Rio tenha sido quebrada. Falo isso porque o Rio é lindo, e, como qualquer um, eu amo essa cidade.

Mas o saldo da operação até agora é um bocado de sangue derramado e algumas toneladas de droga. Cadê os chefões? Cadê, sobretudo, os protetores dos chefões?
Trinta mulheres exaustas pintaram a cara de branco e tiveram coragem de reclamar, na porta da favela. Porque os dois ou três mil homens mobilizados estão revistando as casas, sem pedir licença. Não interessa quem é quem.

Ao que me conste, na plenitude de um estado de direito, isso se chama invasão de domicílio. Pode-se dizer: eles estão atrás dos bandidos escondidos. Sim, mas quem é bandido e quem não é? Eu me pergunto se ousariam fazer isso em Ipanema. Revistar os apartamentos, um a um, arrombando portas e encostando todo mundo na parede.

Porque não se estabeleceu estado de defesa, previsto na Constituição, para casos como este? O estado de defesa tem regras claras. Os governos, tanto o federal como o estadual, atropelaram a legalidade. Porque? Da mesma forma como se transferiram presos, a medida legal poderia ter sido tomada, da noite para o dia. Não foi. O que se testemunha é o afrodisíaco virando as cabeças. Uma população apanhada de surpresa num fogo cruzado real.

Olho a foto de um pai abraçado ao seu bebê, tentando proteger a criança dos tiros com as próprias costas e com as mãos. Se a criança foi morta, ela é baixa de guerra?

Mas que guerra? De brasileiros ditos bons contra brasileiros ditos maus? E quem é que separa o joio do trigo?

Alguns de vocês que me lêem vão criticar, por certo – afinal, há um delírio afrodisíaco da mídia. Mas o terror do banditismo não justifica o terror das assim chamadas forças de segurança, ocultado pelas explicações sofre o funcionamento de blindados e coisas semelhantes.

Em algum momento os dois ou três mil homens que ocuparam a favela irão para casa. E então, as centenas de traficantes, ou empregados do tráfico, que a televisão mostrou em fuga desabalada, voltarão para casa. Ou irão para outra favela, outra cidade, outro bairro. E o ciclo começará de novo, aqui ou ali...