sexta-feira, 6 de julho de 2012

BBB 13

Afinal alguém com bom senso resolveu tomar uma medida contra essa decisão absurda de publicar os salários individualizados dos servidores públicos.
Publicar a remuneração individualizada é uma invasão de privacidade inadmissível: ultrapassa os limites da transparência para entrar na síndrome BBB, que não passa da vida alheia tornada espetáculo de massa. BBB 13, mania de misturar escândalo com política, inaugurado em escala nacional há alguns anos.
Servidores públicos vão arrostar, com certeza, durante muito tempo, as consequências desses dias em que seus salários foram divulgados sem respeito algum por eles. E não se trata apenas do vizinho, da perda de prestígio social, no que se refere aos que ganham menos, ou do recrudescimento dos pedidos, no que diz respeito aos que ganham mais. Saber quando ganha uma pessoa é um dado empresarial precioso; mais precioso ainda para o estelionatário e para o chantagista. E para quem pensa que só os que ganham mais estão expostos a esse tipo de coisa, há alguns milhões de boletins de ocorrência feitos por pessoas pobres nas delegacias demonstrando que o golpista gostaria muito de aplicar sobre um milionário, mas, na falta deste, se contenta com o vizinho de salário mínimo.
Essa medida também consagra um mecanismo estabelecido a partir da irritação provocada pelos segredos de Polichinelo – aquilo que todo mundo comenta em voz baixa porque é oficialmente secreto – em torno das contas públicas: o linchamento moral, que frequentemente gera consequências físicas nas pessoas atingidas.
À falta de punições rápidas e corretas, ou seja, à falta de um procedimento judicial que dê satisfações à sociedade, atira-se o suspeito à fúria. O BBB 13 tem sido farto de episódios em que, alegando-se que “nunca, jamais antes neste país” se investigou tanto a corrupção, adversários e aliados incômodos são entregues ao linchamento moral. Diz-se que assim se procede em nome da transparência: mas não há transparência no fornecimento de informações fragmentadas à imprensa, sob o título genérico de “vazamentos”. Há malícia, uma edição de programa para dosar a sujeira do que vai para o ar, sem comprometer o emissor.
A partir de Fernando Henrique – que por primeiro colocou o orçamento da União à disposição do público – tem-se avançado muito no acesso das pessoas às contas nacionais. Mas esse avanço é muito menor do que parece: é preciso, do lado de quem consulta, entender um pouco da hermética linguagem dos procedimentos administrativos. Para a maioria das pessoas, é como olhar um quadro de Dali: você gosta ou não gosta, mas não entende nada.
Nesta semana, os Tribunais de Contas divulgaram as relações de pessoas com pendências nas prestações de contas, também em nome da transparência. Há inelegíveis por pendência de R$130,00... Há dirigentes de pequenas organizações sociais, que receberam migalhas para suas atividades e não conseguiram comprovar pequenas despesas, lado a lado com prefeitos que não prestaram contas de algumas centenas de milhares de reais. Destes, não há ninguém preso ou com bens confiscados. Aqueles pequenos sofrerão a maledicência e a vergonha. Os grandes, nada, exceto restrições no registro de candidatura: neste país, o grande desvio é encarado como um problema político, como está demonstrando a questão do julgamento do mensalão.
Há, entretanto, consequências graves dessa estratégia de linchamentos: as multidões não são confiáveis, escreveram tanto Mao Tse Tung quanto Robespierre, entre outros. Um episódio da História de Portugal (para não dizer que não falei de flores...) pode explicar melhor o que quero dizer.
Quando Napoleão invadiu Portugal e D. João VI fugiu para o Brasil, o general Bernardim Freire d’Andrade, comandante de parte do pequeno e improvisado exército português foi obrigado a recuar diante do inimigo e, com isso, retardar o avanço francês dando tempo para os ingleses receberem provisões e reforços. O recuo foi interpretado pela multidão como covardia. O general foi linchado pelos próprios portugueses e, apesar de ter ele conseguido retardar o suficiente a tropa francesa, a defesa do Porto ficou impossível. O general foi reabilitado mais tarde, mas milhares de pessoas morreram porque não tiveram tempo de fugir da cidade praticamente sem defesa.
Erros históricos podem ser apontados e removidos. Mas nunca corrigidos: o tempo que duram os tornam irremediáveis e as consequências deles permanecem.