quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Virada

Recebo o ano novo com o impossível chegando à minha casa: a partir do dia 6 de janeiro, concertos ao vivo na sala de jantar.
A iniciativa é da Filarmônica de Berlim, que, nesse dia, vai abrir sua sala digital de concertos. Não é preciso mais ir lá, para ver e ouvir. Basta pagar o ingresso eletrônico, e se instalar no sofá.
Não é a mesma coisa. Não, não é como você estar no show, com toda uma atmosfera cercando, a multidão voltada se entusiasmando ou se frustrando como um ente só. Mas este primeiro passo, que naturalmente abrirá caminho para todos os concertos, de todos os estilos – do rock ao reggae, do erudito ao gregoriano – vence o tempo de um golpe só. Pois eu terminara o ano descobrindo a existência de um violinista húngaro, em fim de carreira, que foi premiado com um Stradivarius porque sabia tocá-lo como raros o fazem – do qual, porque eu vivo do outro lado do mundo, nunca ouvira falar. É que passam-se anos até que o som emitido do outro lado do mundo chegue até nós... e mesmo as grandes celebridades, só as conhecemos quando já na metade final da carreira.
Eu amo isso: tecnologia a serviço da beleza.
O ano me chega, também, com um novo estilo literário apontando nas livrarias. Não sei como se chamará. Ele acabou de nascer. É sempre bonito ver uma coisa nova inaugurando o seu dia, como disse Cabral de Mello, principalmente quando essa coisa nova é de nascimento tão raro que às vezes passam-se séculos sem que aconteça.
Um livro recém-lançado, da brasileira Fal Azevedo (“Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite”) condensa o estilo, originado diretamente das páginas web. É uma forma de escrever aparentemente fragmentada – essa é a sua principal característica – com fortes vínculos no cotidiano. Uma escrita feita de instantâneos, por assim dizer. Com poesia e reflexões permeando fatos. Exatamente como a miscelânea da net, onde cada pobre mortal retira os pedacinhos para compor sua própria história.
Este novo estilo – que talvez até seja um novo gênero, mais adiante – lança para o ostracismo alguns clássicos, é verdade: quem se acostuma com a condensação da rede tem dificuldade para as longuíssimas digressões de Dostoyevski ou as páginas de descrições de Dumas. Mas renova a literatura, e vai alcançar um público que está muito longe, hoje, das editoras.
Por isso, apesar da violência encurralar Belém, tanto no Pará, como em Judá – não descreio do novo ano. Ele começa com rumo e talvez, quem sabe, seja feliz.
O que desejo para todos vocês.