quinta-feira, 21 de julho de 2011

Reza brava

Paixão é paixão.

Li entre os anúncios classificados a oração que conclui esta crônica, sob o título de “oração milagrosa”. Por curiosidade, constatei o preço: pouco mais de 50 reais pela publicação, dada como condição imprescindível para o atendimento.

Esta oração é para ser proferida numa reza brava. A reza brava de São Cipriano – pronunciada com enorme energia, quase que de um fôlego só, como uma esconjuração. Pede a São Cipriano e aos seus vigias (Caifás, Ferrabrás e Satanás, segundo me informam) ou seja, aos poderes do bem e do mal. E oscila entre o romantismo e a vontade anulada.

Contou-me um praticante de Umbanda que, quando a Pomba Gira desce num terreiro, sua energia é como um redemoinho de que ninguém escapa: todos giram sobre si mesmo e em círculo, participando de alguma coisa muito forte, irresistível. Exu feminino, deusa da sensualidade, a Pomba Gira ocupa o terreiro com uma força primitiva que não tira a consciência, mas domina e inclui a todos num mesmo movimento atordoante. A representação da paixão, talvez. Com sua própria lógica de recorrer a tudo, contraditório que seja.

Não sei quem fez publicar essa oração entre anúncios de compra e venda de imóveis, mas imagino a paixão que a motivou. E essa reza brava é um exemplo tão claro e profundo da dualidade da alma humana e do sincretismo que marca o caráter religioso brasileiro que resolvi dividi-la com vocês, meus leitores.

Afinal, paixão tão brava é artigo cada vez mais raro de encontrar neste século de ciências e racionalidades.

A reza:

Salve Pomba Gira, Maria Padilha, Rainha das 7 encruzilhadas, fazei que (fulano) fique para sempre comigo. Pomba-Gira, trazei-me (fulano) para mim (fulana).

Assim como o galo canta, o burro rincha, o sino toca, a cabra berra, assim tu hás de andar atrás de mim (fulana). Assim como o sol aparece, a chuva cai, fazei ser dominado por mim (fulana), preso debaixo do meu pé esquerdo.

Com dois olhos te vejo, com três eu te prendo. Com meu anjo da guarda peço que fulano) ande atrás de mim, (fulana), como uma cobra rastejante, que me ame loucamente, que só sinta desejos por mim (fulana), que não consiga olhar com olhos de desejo para nenhuma outra mulher ou homem que não seja eu (fulana), que atenda todas as minhas vontades, que não me faça sofrer, que durma e acorde pensando em mim fulana) e que sempre me tenha em seu pensamento, que não consiga viver sem mim fulana), que seus pensamentos e desejos sejam sempre voltados para mim (fulana), que ele seja carinhoso, romântico comigo, que assim seja.

Pelo poder de São Cipriano, assim seja.

Fulano) vai vir atrás de mim, rastejando, humilde e manso, para que possamos ter bom convívio e assim sermos felizes. Peço a São Cipriano que (fulano)me procure agora, hoje, e não consiga mais sair de perto de mim um só minuto eternamente. Peço isto ao poder das três almas pretas que vigiam São Cipriano, assim seja. Que (fulano) me assuma de vez, que os inimigos não nos vejam, assim seja.

Ó Maria Padilha, minha rainha, atendei o meu pedido.

Desde já te agradeço, minha rainha, pois sei que serei atendida como sempre fui.

Amém
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