Eric Schimidt, diretor executivo do Google, previu na semana
passada que a internet, na forma como a conhecemos hoje, vai dar lugar a redes
interativas tão integradas aos objetos de uso comum que as pessoas vão deixar
de percebê-la. Ou seja: você manda, a geladeira obedece. Pode ser a cadeira,
também, ou sua própria roupa. Você poderá ter o mundo na palma da mão,
literalmente: projeções holográficas disponibilizam em seu corpo o planeta, ou
as pessoas do planeta.
Mas você não poderá agarrar o tempo que flui pelos vãos dos
dedos e responder assim à pergunta do poeta Cassiano Ricardo. E este é o
dilema, o problema, o xis da questão: integrado num sistema superveloz, é
impossível refletir. O Homo Zapiens
não pensa, apenas reage.
Esse termo, Homo
Zapiens, foi universalizado, a partir de 1999, por meio de um romance do
escritor russo Victor Pelevin (que talvez o tenha criado), como informa a
Wikipedia. De lá para cá, vários estudos acadêmicos foram publicados em torno
dessa nova condição humana, que consiste na hiperinformação e na
supervelocidade.
Se não há tempo para pensar ou refletir antes da resposta,
se ela deve ser dada em segundos – como fazem os atletas ou os comandos
militares de elite – ela será, necessariamente, um reflexo. Ela estará
integrada ao corpo da pessoa, resultado de treinamentos exaustivos, no caso dos
atletas e dos comandos, mas, no caso das redes informatizadas, decorrente do
próprio uso continuado.
Tenho claro que a maioria das pessoas não gosta de pensar,
de tomar decisões por seu arbítrio, prefere um manual – seja para comer, seja
para rezar, seja para estar em sociedade, seja para prestar exames de vestibular
(a quantidade de zeros na redação é um indicador claro disso). Não será
problema reduzir-se a um ciborgue, que são aqueles seres da mitologia moderna,
metade pessoa, metade máquina. Mas esta condição tem seu preço.
A primeira conta é a total impossibilidade do isolamento. A
segunda é o risco de todo manual: o erro que, no caso, conduzirá a desastres. A
terceira é o aumento brutal dos controles sobre as pessoas: se você é parte de
um sistema, está integrado nele, você não pode escapar de suas regras, por mais
contestador que seja. E a quarta é a antevisão de Huxley: a inteligência,
indispensável para o desenvolvimento humano, em ilhas, desdobrando os controles,
corrigindo o manual, para que todos sejam drogados felizes.
Estamos muito longe disso? Talvez, mas há muito tempo já as
pessoas se vestem da mesma maneira, mergulhadas num anonimato angustiante, e,
progressivamente, penduram-se cada vez mais nas redes. Cada vez menos fazem
coisas com as próprias mãos ou pensam pelas próprias cabeças. Um dia destes
atendi o telefone e era uma ligação de telemarketing. Diferente do usual, uma
voz eletrônica me disse: Esta/ ligação/ é para / o senhor / Marcos. / Se você/
é a pessoa indicada / tecle 1. /Se você / conhece a pessoa indicada/ tecle 2...
e assim por diante. Desliguei o telefone, naturalmente, com uma sensação de
raiva e choque. Raiva pelo menosprezo demonstrado pelo uso da voz eletrônica;
choque porque não imaginava que, nesta remota província do império brasileiro
já se pudesse ser objeto de uma intervenção dessas. Depois pensei que o mundo
globalizado não aceita mais a condição de “remota província”, porque a
geografia virtual é diferente da física. E que estamos nos tornando ciborgues e
nem percebemos isso.