segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O novo baile

Há 124 anos, no dia 9 de novembro, ocorreu o baile da Ilha Fiscal.
Eu só lembrei disso por que acabei de ler “O Castelo de Papel”, de Mary del Priori, uma biografia (não autorizada, aliás), de Isabel, a princesa que não queria ser imperatriz e disse, ao se retirar do país, que assinaria novamente a lei Áurea e perderia o trono quantas vezes fossem necessárias.
Esta é a semana da República, nascida de um golpe militar gestado em muitas traições, a principal delas do duque de Caxias. Ainda há de se escrever uma biografia (não autorizada) decente sobre o duque para responder à pergunta: como é que o homem de confiança de D. Pedro II tornou-se ícone republicano?
Mas do que quero falar é da repetição dos erros, o que me saltou aos olhos à medida que eu lia o livro da historiadora. Passaram-se 124 anos. A abolição aconteceu sem nenhuma preocupação de proteger o país, os negros, a economia. O ímpeto foi romântico. Não se encontra, nos papéis dos abolicionistas, nenhum plano consistente para encarar as consequências da abolição. Dessa época, o único plano é o de D. Pedro II: um passo a passo voltado para manter a economia funcionando. Não deu certo, foi atropelado e os atropeladores concluíram o processo depondo o imperador com um golpe de Estado que proclamou a República.
Similitudes? Várias. Iniciou-se uma política de transferência controlada de renda. O programa era amplo, o Fome Zero: um passo a passo que envolvia aumento de consumo e aumento da produção. Foi atropelado e os atropeladores decidiram apostar no consumo – a ponta terminal do processo econômico – para garantir uma economia aquecida. A onda de consumo esbarra, entretanto, na pouca oferta. A mais antiga lei de que a humanidade tem consciência se impõe: os preços sobem, a inflação ronda e a política tem que ser revertida. Mas o baile está programado: há uma Olimpíada, uma Copa do Mundo, há que montar a decoração, organizar o banquete. A agitação ganha as ruas, a violência ganha as ruas. Dilma descobre, boquiaberta, que foi alvo de uma vaia: lembra a princesa espantada com as manifestações de hostilidade.
Há do que temer, sim. A violência banalizada e as ruas em desordem. A possibilidade, cada vez mais próxima, de uma paralisação econômica. As declarações públicas contra as leis de controle da corrupção (Míriam Belchior: “Projetos atrasam obras”; Dilma: “Acho um absurdo paralisar obras”). A sensação generalizada de impunidade, de Maluf ao flanelinha, de Zé Dirceu ao Zezinho ladrão. A punição arbitrária, nas prisões provisórias com tempo indeterminado. Os indicadores maquiados. As tentativas de desmoralização do Judiciário e a indiferença deste pelas consequências de sua lentidão. Os apelos, cada vez mais frequentes, de “façam alguma coisa”. E, cada vez mais frequentemente, cidadãos comuns fazendo alguma coisa, não exatamente dentro das regras da convivência e da civilidade.
Este ano, completamos 25 anos de democracia, o período mais longo já vivido pelo Brasil sem governos de força, desde o fim do Império. Eu temo que seja mais um intervalo, com final marcado para o próximo baile.