terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Tentações da meia-idade

Ainda é uma idade desconhecida: a vida estendida para além dos 50 anos não cobre dois séculos, com muito boa vontade, da história humana.

Assim, o desbravamento da meia-idade começou de fato no século passado, em que quase todos nós vivemos o início ou a maior parte de nossas vidas, e prossegue neste; assim, sem paradigmas e com muitos paradoxos, a idade maior ainda está por ser decifrada em sua totalidade.

Por isso é que me atrevo a escrever sobre, já que estou nela. E sobre suas tentações, que conduzem fatalmente a auto-traições – e, ladeira abaixo, à insatisfação consigo mesmo.

A tentação mais comum é a doença. Não vivê-la, mas comentá-la. O assunto “doença” atrai como chocolate a um adolescente. Cinco minutos de fila de aposentados, e fígado, rins, pulmão, coração, garganta e pressão entram na ordem do dia. A tentação vem do interesse aceso e do fato de que toda a meia-idade traz consigo as falhas orgânicas. Redescobre-se o corpo, mas agora, não mais como na primeira idade, por sua eficiência e beleza: são os defeitos, os desgastes, os limites que impõem a atenção. Então, a meia-idade quer saber, como a primeira idade queria, o que há de igual e o que há de diferente. Daí, se a pessoa não toma cuidado, cai na tentação de só falar naquilo... sendo que o aquilo não é mais aquilo. É doença.

A segunda tentação mais comum é ignorar os avisos do tempo. Estes avisos estão na cara das outras pessoas, nas atitudes dos mais próximos e até dos mais longínquos. A pessoa fecha os olhos para tudo isso e vai fundo – num tango, num biquíni, numa sunga ou num galanteio. O risco de cair é enorme, tanto no chão como no ridículo. Cai mesmo, em tentação, até que alguém o resgata, geralmente dolorosamente, para mostrar que a vida mudou, tio, e a tiazinha só vai perceber que está ferindo a estética da forma mais dura – que pode ser uma conversa mordaz sobre o que se passou.

A próxima tentação é ultrapassar os limites. O sujeito vê ou lê, que em algum lugar, um idoso assim ou assado fez esta ou aquela proeza. Entusiasma-se e toca a dirigir de noite, subir escada vertical, programar um acampamento, um rafting até. Esquece-se de duas coisas: uma, que o tal recordista passou a vida fazendo a mesma coisa, e só isso. Outra, que é preciso um absoluto desdém pela morte e pelos sentimentos dos parentes para encarar um desafio aparentemente impossível. Ora, pessoas comuns não desdenham viver e muito menos os sentimentos alheios. Querem ser amadas, antes que admiradas; e vai daí, que riscos desnecessários podem fazer bem para o ego naquele instante, mas depois... cobram um preço exorbitante de afetos e, também, de dores. Inclusive as de cabeça para quem tem que assistir o aventureiro.

Uma tentação recorrente é insistir em fazer coisas que se fazia bem há vinte anos, ou há trinta. Coisas profissionais, bem-entendido. O estímulo vem da mídia: se fulano faz, porque eu não? Ledo engano. Fulano não faz mais o que fazia antes. Se empresário, contrata um executivo e limita-se a pilotar a canoa. Se autônomo, procura um associado, para manter a produção. E se empregado, reduz a carga de trabalho dando um jeitinho aqui, outro ali, de forma a não perder o emprego e o prestígio. Todos os bem-sucedidos aprenderam a tempo a valorizar a experiência e diminuir a ação, o que significar selecionar os assuntos e tarefas em que vai se meter. A idade permite: dá para aguentar a pressão sem se machucar, desde que não se tente competir com gente mais jovem, como se jovem fosse. Essa tentação leva a pessoa a trabalhar além da conta, visto que a tarefa que era rápida de vencer fica mais longa, e só há uma forma de escapar: saber quando sair de uma carreira e pegar outro trem.

E, finalmente, a tentação de largar-se num canto e exigir, suplicar ou pedir mordomias. Essa é a pior de todas; desgasta todas as relações próximas, desgasta os amores e até os desafetos. Além de rebentar com o cérebro mais depressa, graças à falta de uso. Se a pessoa for um pouquinho paciente, vai descobrir que as mordomias vêm naturalmente: o carinho dos mais próximos vai concedê-las, e o que é melhor, com ganhos de prazer.

Mas isso é assunto para outra crônica.