segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mandela e os controles

Mandela foi o último grande herói do século XX a morrer. Equipara-se a Gandhi e Luther King na habilidade do manejo da resistência em favor da liberdade. Faço o registro, obrigatório para um jornalista como eu, acompanhando todo mundo, mas não é dele que quero falar.
Eu quero falar é do ministro controlador geral da União, que ontem deu uma entrevista dizendo que os corruptos emblemáticos não estão presos. Ele tem razão. Mas eu me pergunto porque o controlador geral da União não age contra os corruptos emblemáticos. Está a seu alcance, visto que eles continuam recebendo dinheiro público.
Ele me responderá, provavelmente, que a Controladoria executa trabalho interno. É verdade, também. Mas também é verdade que em nome desse trabalho interno que atazana a vida de milhares de ocupantes de pequenos cargos criou-se uma estrutura ministerial – e não se sabe se o resultado do trabalho interno compensa o gasto. Nenhuma grande corrupção foi apanhada, até agora, pela Controladoria. Nem mesmo as operações das grandes construtoras, que o Brasil inteiro conhece.
O Brasil hoje vive um excesso de pseudocontroles. Uso esta expressão porque a quantidade de auditorias, controladorias, tribunais de contas e assemelhados é tanta que o serviço público deveria ser puro. Não é, porque todos esses controles são apenas edifícios de papel. Montanhas de papel. Está o carimbo no lugar, tudo bem. E só.
Na administração pública, hoje, tudo que é contrato e convênio tem que ter um pobre diabo atrelado: um funcionário encarregado da fiscalização. Já vi agente de portaria ser fiscal de contrato, na falta de outro qualquer. É obrigatório, o que fazer? Na grande maioria dos contratos não há problema algum a ser apurado; a empresa cumpre o que promete, a administração paga o que empenhou. Os prazos são cumpridos mais ou menos, até porque a administração geralmente descumpre os seus; e o que se acertou é feito. Mas tem que ter esse fiscal que nem sabe o tamanho da fria em que está metido até que a corda arrebente do seu lado, simplesmente porque ele é o mais fraco na história toda. Este é um pseudocontrole com um cristo à mão.
Ontem todo mundo viu na televisão outro pseudocontrole: um ínclito membro do Ministério Público tirando a polícia de um estádio de futebol num jogo decisivo. Ah, porque o evento é da iniciativa privada! Engraçado: o povo estava lá, o povo que precisa de segurança, mas isto não conta. Precisa do carimbo do dinheiro para saber o que a polícia deve ou não deve saber. Então ponha o carimbo: evento privado! Para os torcedores que saíram quebrados ou presos, deve ser significativo saber se o evento foi privado ou público. Também não é significativa a conta passada ao SUS no socorro dessas pessoas.
Eu ainda tenho esperanças de ver a burocracia se recolher ao seu tamanho indispensável, os bancos assumirem seus malfeitos, a lei de licitações ser substituída por algo mais perto da realidade, o Brasil se identificar como plural, com um mínimo de camisas de força nacionais, com uma justa repartição tributária e mais bom senso e eficiência nos governos. Mas a cada episódio desses eu sinto esse dia muito distante.
Não faz mal. Mandela soube esperar, em muito piores condições. Eu acho que vale a pena seguir o exemplo dele.