sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Alguma coisa está errada

Há um infalível indicador inflacionário, conhecido de toda dona de casa: quando fica cada vez mais freqüente ter que desistir de um ou outro produto porque o dinheiro não chegou é porque o custo de vida subiu.

Cartões de crédito costumam mascarar isso, a não ser quando falta o crédito. Mas o controle do cartão de crédito pode possibilitar coisas interessantes – como saber porque a desistência de um ou outro produto fica mais freqüente, ou porque a conta não para de subir.

Afirma-se que a inflação está baixa, sob controle. As contas do meu supermercado dizem o contrário. Fui tirar a teima nos cupons fiscais – a nota do supermercado – e fiz uma comparação, nada de muito profundo, mas de uma lista de 17 produtos que compro habitualmente. São 17 produtos da mesma marca e comprados no mesmo supermercado, em dezembro do ano passado e neste mês de agosto.

Fiz a comparação considerando apenas o preço unitário – quilo, lata, frasco – sem levar em conta as quantidades. E eis o resultado:

Dos 17 produtos, somente um – o sabão em pó – manteve o mesmo preço. Seis tiveram o preço reduzido: esponja de aço (-5,58%), berinjela (-11,6%), couve-flor (-17%), xarope de guaraná (-22,16%), óleo de soja (-12,7%) e feijão preto (-9,7%). Dez tiveram preços aumentados, e alguns, aumentados de forma astronômica:

- detergente líquido: passou de 0,92 para 0,95 – aumento de 3,26%; é o único aumento abaixo de dois dígitos da lista.
- tomate: subiu de 2,19 para 1,64 – aumento de 20,54%.
- ovos, dúzia: de 2,49 para 3,10, teve um aumento de 24,5%.
- contrafilé: passou de 6,8 para 9,4, ou seja, o preço subiu 38,24%.
- queijo ralado: o preço era de 1,64 o pacotinho, agora é de 2,34 – 42,67% a mais.
- café solúvel: de 1,99 o pacote, para 2,85, com incremento no preço de 43,21%.
- leite condensado: o preço da lata estava em dezembro, 1,57; agora, é de 2,93 – 86,6%.
- leite tipo longa vida: de 1,44 para 2,69 cada litro – aumento de 86,8%.
- cebola: dobrou de preço. O quilo passou de 1,05 para 2,10. 100%de aumento!
E a campeã: batata lavada, com incremento de 152,6% - o preço subiu de 0,95 para 1,45.

O conjunto de 17 produtos apresentou um aumento médio de 16,38% no intervalo de oito meses – o que, convenhamos, é muito mais do que está sendo apresentado nos números oficiais de medição de custo de vida, seja com que sigla for.

Aviso de antemão que isto não é um estudo científico, nem tampouco uma medida econômica: trata-se tão somente de constatar porque o bolso está doendo, se não houve alteração no padrão de consumo. Também explico que os 17 produtos foram aleatórios: eram os que coincidiam nas notas de compras guardadas.

Vários destes produtos, porém, estão nas cestas de compras de todas as pessoas – particularmente aqueles que mais aumentaram, ou seja, o leite, a cebola e a batata. E ninguém me diga que se trata de entressafra – essa desculpa já cansou.

Sugiro às minhas leitoras que façam, também, suas comparações. Porque, pelo jeito, este segundo semestre vai ser de contingenciamentos domésticos...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O que vale é a lombada

Belém-Salinópolis, rodovia de 260 quilômetros – e 28 lombadas, contadas uma a uma por um amigo insatisfeito.

Ou seja, a cada oito quilômetros, um atestado de incivilidade. Porque não há coisa mais incivil que lombada em meio de estrada. Ela demonstra: que motoristas se excedem e pedestres andam pelo meio da estrada; que ninguém cumpre as leis de trânsito; que a rodovia é perigosa pelo simples fato de existir; que não existe fiscalização, ou, se existe, é insuficiente; e, finalmente, que as pessoas não se respeitam, não estão nem aí para a vida alheia – e, talvez, para a sua própria.

As lombadas da estrada de Salinópolis - como de resto a esmagadora maioria das lombadas construídas no Pará – demonstram mais alguma coisa: a impotência do Estado diante de seus cidadãos. Pois que as lombadas, o Contran, órgão do Ministério da Justiça, publicou a Resolução nº 39, em 21 de maio de 1998 prevendo a existência de apenas dois tipos de lombadas. A tipo 1 com comprimento de 1,50m e altura de até 0,08m (oito centímetros!), que somente pode ser instalada quando houver necessidade de serem desenvolvidas velocidades até um máximo de 20 km/h, onde não circulem linhas regulares de transporte coletivo. E a do tipo 2, com comprimento de 3,70m e altura de até 0,10m (dez centímetros!) quando houver necessidade de serem desenvolvidas velocidades até um máximo de 30km/h. Para rodovias, a Resolução prevê ampla sinalização – incluindo sinalização precária, por faixa - amplos estudos preliminares, amplos avisos.

Mas as lombadas paraenses têm alturas variáveis, de acordo com o construtor, que tanto pode ser um órgão público, como pode ser um morador das vizinhanças. Sinalização (às vezes aparece uma placa, quase em cima da dita cuja) e toda a pintura zebrada que seria necessária, pra que? A estrada de Salinópolis funciona há mais de duas décadas, e jamais foi sinalizada corretamente.

A lombada acaba sendo a brutalidade contra a brutalidade. O raciocínio é simples: se o motorista tem o direito de ir e vir na estrada em velocidade excessiva, eu, pedestre, tenho o direito de atravessá-la – ou caminhar por ela, tanto faz – quando bem entender e como quiser. Ele descumpre a lei, e eu também. Não há mediação governamental entre um interesse e outro, entre o interesse do motorista e do pedestre. Então, como diziam os antigos, em terra de sapo, de cócoras com ele: tudo se resolve a força. Põe uma lombada, e pronto. E se vierem tirar, queimem-se pneus. A demagogia fará o resto.

Queixam-se os motoristas, os transportadores de carga, as associações empresariais que usam rodovias. Mas nenhum deles toma providência para manter os carros nos limites de velocidade, e manter o respeito necessário aos demais usuários. Queixam-se os pedestres, os ciclistas, os motociclistas. Mas eu duvido que se encontre um ciclista que conheça as normas de trânsito para circular em bicicleta. Quanto aos motociclistas, sabem, mas fingem que não sabem. E os pedestres, então...

Os braços do Contran e Detrans estão ocupados demais arrecadando multas. Não dá para mediar os conflitos que o trânsito provoca – lombadas, inclusive.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Baita (e cara) confusão

O governo federal deve lançar, nesta semana, um novo plano de segurança pública, que adotou o sorridente nome de Pronasci, e foi apresentado (se o governo disser que foi discutido, estará enganando mais uma vez) para a sociedade civil e políticos em várias reuniões realizadas em Brasília.

É uma tremenda confusão. O governo resolve pegar o dinheiro da segurança e aplicar no social. Uma nova leva de bolsas e medidas assistenciais substitui o que deveria ser um tratamento específico para o combate ao crime. E a primeira pergunta é: o que estão fazendo os outros Ministérios, a quem cabe tocar as políticas sociais? Porque o Ministério da Justiça deverá tratar de medidas de urbanização, como propõe o plano?

Para se justificar, cria-se até uma nova palavra: descoesão social. Essa palavra é nova e o Ministério não explica seu conceito: entenda como quiser. Fala de “territórios de descoesão social”. A frase soa com um bonito efeito, mas não significa nada, até porque, neste mundo globalizado, o território já ficou para trás há muito tempo. Não é possível tratar de regiões metropolitanas de forma isolada, a menos que se queira fazer como Stálin: criar passaportes para que vigiar a mobilidade das pessoas de um lugar para outro dentro do mesmo país.

Também não é possível tratar a Zona Norte do Rio de Janeiro sem considerar a Zona Sul, a favela sem considerar Ipanema. Não é possível tratar da segurança paulistana sem considerar os aeroportos de Guarulhos e Congonhas. O que quero dizer é: existem escalas de tratamento para a segurança pública, que exigem graus diferentes de intervenção e força; e a linearidade com que está traçado o programa deixa os criminosos profissionais - que são, de fato, os responsáveis pela insegurança pública – absolutamente em paz.

O Ministério se volta para os jovens em situação de risco, mas quem são eles? São os jovens baixa-renda, que procuram e não acham emprego? A grande maioria desses jovens é honesta, sua nos cursos noturnos e nos bicos diurnos até encontrar um emprego regular. Para essa maioria honesta, o que se oferece? Nada. Ab-so-lu-ta-men-te nada.

O foco é distorcido: é necessário cometer uma infração para que o Estado dê atenção ao jovem. Pior: a estrutura escolar é capenga, mas existe, e é nela que se concentra a esmagadora maioria dos jovens. A saída da escola e entrada no mercado de trabalho são portas distintas, com uma terra-de-ninguém minada entre elas. Cadê proposta para lançar uma ponte nesse território, e tornar mais fáceis as coisas para os jovens? Não existe. Quem é decente que sofra.

Em contrapartida, o programa oferece a formulação de uma estrutura burocrática de dar inveja a qualquer tecnocrata. Conselho, Comitê Gestor, Coordenação de Articulação Institucional, cinco gerências, e onze gabinetes de gestão regionais nas Regiões Metropolitanas. Um Ministério dentro de outro Ministério. No mínimo, 50 cargos comissionados para serem distribuídos.

E oferece, também, promessas: que a Polícia Federal vai cuidar dos milhares de quilômetros de fronteiras, que vão construir casas penais em profusão, que vão colocar saúde da família para todo mundo... e que vão criar uma nova polícia. Acredite se quiser!