quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A emergência brasileira

O ano começa cheio de análises comparativas entre o Brasil e outros países do mundo: entre as economias emergentes, entre as economias mundiais, entre os indicadores de desenvolvimento humano, entre as listas esportivas e por aí vai.

O que me lembra o comentário de um argentino, lido no site de Maradona santificado: Maradona é melhor que Pelé, porque no tempo de Pelé era tudo mais fácil... Ou o de uma pragmática argentina, este lido em outro site: vocês, brasileiros, em tudo e por tudo vivem querendo ser os melhores do mundo...

O Brasil emergente é quase uma potência, é o sétimo do mundo. Vai-se ver, e o volume de riqueza deste sétimo lugar pouco difere do oitavo, e é apenas uma porcentagem menor do que têm os dois mais ricos. Diz-se ainda que o Brasil está entre os onze melhores países do mundo num tal de índice de desenvolvimento humano. Conhecendo a farsa estatística brasileira, é de rir... ou de chorar pelo estado do planeta.

A emergência brasileira é outra. É saber o que se vai fazer depois que passar o efeito da política de bolsas. A distribuição de dinheiro gratuita, sem o correspondente crescimento da produção para o consumo, principalmente de alimentos, vai mostrar a que veio a partir deste 2008. Ou melhor: exatamente porque isto não foi feito antes. Os primeiros indícios já começaram a aparecer aqui e ali: o prato de comida ficou bem mais caro, e não adianta as maquilagens oficiais, que contra o bolso não há estatística que dê jeito. Qualquer dona de casa sabe disso.

Sensatamente, agricultores que suavam para ganhar um salário mínimo, garantido este, abandonam o trabalho, e saem em busca de coisa melhor. O próximo censo vai mostrar este aumento da migração para as cidades. Os técnicos de assistência agrícola já começaram a constatar isto: é só esperar para ver.

Para garantir a distribuição de dinheiro – equivocadamente chamada de distribuição de renda – a carga tributária empurra para a informalidade contingentes inteiros de pequenos produtores. Sua-se muito mais – exatamente um terço de trabalho adicional - para ganhar o mesmo salário mínimo que é dado de graça. Seria ilógico escolher este caminho. Chegamos a um ponto em que só se formaliza emprego porque não há jeito de montar às escondidas uma linha de produção.

Nossa sorte é que o Brasil tem mais vitalidade que qualquer governo, e consegue sobreviver a todos os delírios. Crescemos, apesar de. De forma desigual, desequibrada, desordenada, mas crescemos. Pessoas sensatas fazem o necessário para isso, indiferentes ao que quer que os insensatos estejam querendo.

As temporadas na administração pública me ensinaram que há uma distância enorme entre o que as pessoas dizem que querem, e aquilo que querem de fato; e ainda outra distância entre o que elas querem e o que elas necessitam. Uma boa medida disto pode ser dada nos dias 30 e 31 de dezembro: não existe salão de beleza ou barbearia, urbano, suburbano ou rural, que não esteja superlotado nesses dias. (Num dos documentários de Jorane Castro, o salão está na corrutela do garimpo – e lotado). É necessário? Depende do ponto de vista; mas ninguém dirá, jamais, para uma autoridade pública, que precisa de um salão de beleza perto de casa.

E é por essas e outras que é difícil conhecer a verdadeira emergência brasileira...