sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Garota currada (II)

A governadora cumpriu o manual até o fim. Demitiu o delegado geral. O difícil de entender é a causa da exoneração: não foi bem porque o delegado geral foi co-responsável por uma irregularidade gravíssima numa das unidades da Polícia Civil, mas por conta da repercussão de suas afirmações no plenário do Senado.

Como o delegado disse o que pensava, é de se crer que se ele tivesse ficado calado, mesmo pensando dessa maneira, não teria sido demitido. Até porque ele sai, mas toda a equipe de direção da Polícia Civil fica, e o sub - que, com 16 anos de polícia, como fez questão de assinalar, passou a maior parte desse tempo fora dela, em sindicatos, associações e assessorias outras – vira titular. Vai acabar nomeando o ex-delegado geral para um cargo qualquer – que tal corregedor, ou delegado geral adjunto?

É o faz-de-conta-que-me-importo que me irrita. Ninguém está nem aí para o que acontece nas celas das delegacias entupidas de presos. Como disse Míriam Leitão, mulheres ou homens, o que importa é a violência sofrida. Essas pessoas que estão fazendo declarações escandalizadas na imprensa estão cuidadosamente se limitando ao caso da garota, como se ignorassem que os maus tratos são iguais para todos, e o que mudou, desta vez, é que a vítima era uma garota.

Criou-se um mito, nas polícias, de que eficiência na segurança pública é presídio lotado e delegacia superlotada. Isto é um engodo: eficiência, na segurança pública, é crime punido pela lei penal, e, sobretudo, crime impedido. É paz e sossego, não é policial correndo pelas ruas, armado até os dentes, fazendo de conta que é mocinho de filme. É dormir-se sabendo que a possibilidade de um assalto existe, mas é baixa o bastante para que se dispense sistemas de alarme. É investigação, resultados rápidos que poupem o inocente e evitem retaliações, não é fazerem-se barreiras no trânsito incomodando todo mundo e submetendo o cidadão honesto à suspeita infundada.

Hoje, a partir do momento em que o policial aponta alguém como suspeito, ele vira pária. Basta apontar, não é preciso provar. Para a população, se o sujeito está numa cela, é bandido; bandido tem que sofrer; e a polícia, escorada nesse conceito que é tudo o que há de mais vil na natureza humana, permite tudo numa cela.

A Polícia, enquanto instituição, responde pelos presos sob sua guarda, através de seus funcionários – e estes são, também, tanto do ponto de vista moral como do legal, pessoalmente responsáveis. Não é o carcereiro apenas, nem tampouco somente o agente prisional. Reclamar de falta de condições não resolve a responsabilidade. A privação de liberdade não se estende à privação de outros direitos, principalmente à integridade física.

E se o leitor der uma olhada nas fotos de presos que, todos os dias, são exibidas pelos jornais, vai ver que a integridade física é o primeiro direito a ser violado, já antes da entrada na cela. Historinhas de todo o jaez tentam justificar os olhos inchados, os rostos deformados, as mãos roxas e os membros feridos, para dizer que “foi o povo”. Mas as costas largas deste ente mágico, único habitante dos paraísos demagógicos, não cobrem a responsabilidade das polícias. Elas não são “o povo”. Elas têm obrigação de evitar, primeiro, e controlar, depois, os excessos do povo. E se não conseguirem, responder porque.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A garota currada

Eu não queria escrever sobre isso, porque há bastante gente para tanto, e, só hoje, Dora Kramer e Míriam Leitão – principalmente esta - colocam o assunto com firmeza e perspectiva.

Mas há uma coisa me incomodando muito.

É o faz-de-conta do “politicamente correto” com que as autoridades reagem ao assunto.

Faz de conta que a governadora não sabia de que estofo é o seu Delegado Geral, seu amigo pessoal de longa data, seu militante nas lides sindicais, cabo-eleitoral e co-autor do seu programa de governo, área de segurança pública, referência Polícia Civil.

Faz de conta que a governadora não sabe a ineficiência atroz do setor segurança no Pará, em que cada qual faz o que bem entende, onde o rumo se perdeu já faz um tempo, sem programa, sem projeto, sem logística e sem estratégia.

Faz de conta que a governadora não sabe o que significa a quantidade de policiais mortos em serviço, indicador certo de que o caminho operacional está errado – qualquer especialista em segurança pode explicar porque.

Faz de conta que é por falta de dinheiro que acontecem coisas assim.

Faz de conta que o Ministério da Justiça não tem nenhuma responsabilidade sobre o sistema prisional, mesmo se sabendo que é ele que administra todo o dinheiro do sistema, dinheiro oriundo da Loteria Esportiva e contingenciado de forma sistemática nos últimos cinco anos.

(A última ação eficaz no sistema prisional brasileiro ocorreu quando José Serra era Ministro da Saúde e José Gregori, Ministro da Justiça. Eles criaram mecanismos para viabilizar a assistência médica ao preso, via SUS – porque o Sistema Único de Saúde até então ignorava solenemente as casas penais, exceto no Rio de Janeiro – mas esses mecanismos foram totalmente abandonados no governo Lula. Quem teve tempo de implantá-los, avançou; quem não teve ou não pôde, ficou no caminho. E de lá para cá, é só construção de cadeia, mais nada).

Faz de conta que a governadora não sabe, também, que o hospital destinado a assistir os presos (fruto desses mecanismos implantados por Gregori e Serra) continua sem operar completamente.

Faz de conta que quatro milhões de reais para construir presídios isenta o governo federal das responsabilidades que tem.

O manual do político esperto, ou do politicamente correto, manda botar a culpa no governo anterior e entregar a cabeça de quem errou. Manda também desviar a atenção do público, quando a crise é braba. Então vamos negociar a crise com o dinheirinho da União – que, aliás, o Governo Federal tem a obrigação de transferir, visto que ele não constrói presídios e é quem administra o dinheiro para isso - dizer que o Estado estava “um caos”, mesmo contra toda a evidência. Agora, só falta demitir o delegado geral.

E faz de conta que está tudo resolvido.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Hangar

Hangar


Durante anos a fio o segmento turístico (chamado de trade, pelos esnobes) reclamou da urgente necessidade de ter o Pará um centro de convenções, que, segundo eles, conjuntamente com a remodelação do aeroporto de Belém, permitiria o desenvolvimento do setor.

Finalmente, o Hangar foi feito, o aeroporto foi reconstruído, e, tudo moderno, do jeito que foi pedido, apresentado para uso do segmento.

O que se vê, entretanto, é outra coisa.

O Hangar, que deveria ser uma ferramenta para trazer dinheiro de fora do Estado, está transformado numa ferramenta para mandar dinheiro para fora, porque é para isso que servem os shows das bandas e artistas que vêm a Belém. É o grande salão de festas da cidade, mantido e havido pelo poder público, cuja maior parte da receita declarada provém do bolso da população local.

Além disso, a administração é tudo o que há de relapso e inconseqüente, para ser tolerante. No último caça-níqueis que ocorreu ali, no último final de semana, foram usadas carteiras de escola, usadas para cursos, como cadeiras de platéias, sem lugares numerados. A maquininha do estacionamento não funcionou, mais uma vez, e o controle manual provocou um irritado engarrafamento na saída, porque também não funcionou. Permite-se a entrada de bebidas e comidas, tal como num estádio de futebol, e o resultado é o de sempre.

Mas o Hangar foi anunciado e construído, e o trade não se mexeu para ir disputar as convenções, que constituem um mercado altamente competitivo. Inaugurado o Hangar, com o trade paralisado, caberia ao Governo, que o administra, liderar a campanha de captações. Mas para a demagogia instalada, é melhor ter uma casa de shows do que um centro de convenções, e aí está. Mais dia, menos dia, o Hangar terá o mesmo destino do primeiro Centro de Convenções, o Centur: sediará alguma Secretaria de Estado, que a burocracia é ávida de espaços amplos que possa atulhar de papel...

Existe uma certa categoria de políticos para quem o desenvolvimento, a melhoria das condições de vida e a conquista de patamares novos de riqueza são resultados de loteria, ou de milagres divinos. Ou então, simples apropriação do trabalho alheio, baseada na esperteza sem remorsos. Conta a lenda que um desses políticos disse que iria transformar a Estação das Docas no maior bordel do Brasil (a palavra “bordel” está substituída, aqui, porque o termo foi mais pesado). Talvez o Hangar acabe sendo mais apropriado: geralmente é o que acontece com o entorno de uma casa de shows.

Esses políticos não suspeitam que, para conseguir o que se conseguiu no Pará, foi necessário trabalho duro, em níveis técnico e político; negociações exaustivas neste último (para compor as enormes dívidas geradas nos governos Jáder Barbalho/Carlos Santos), e trabalho com hora para começar mas sem hora para acabar, no primeiro. Milhares de pessoas, a maioria delas funcionários públicos de carreira, se empenharam para conseguir resultados, e conseguiram, em todos os setores de governo. O que está sendo feito com o Hangar é um desrespeito com essas pessoas, tenham ou não nomes altissonantes, chamem-se João da Silva ou Paulo Chaves.

A destruição do Hangar pode ser o prelúdio para a destruição da enorme construção realizada, de um Estado do Pará digno, pontual nos pagamentos e em franco crescimento econômico, que conseguiu começar a transformar em riqueza seu enorme potencial. A incompetência em, pelo menos, manter o que foi feito, demonstra a incompetência maior, de realizar. E, nos governos, não existe estado estacionário: parar é recuar, porque a sociedade não espera.