sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O suspeito suspeita

Zé Dirceu suspeita do Supremo Tribunal Federal. Fala em ditadura da mídia. Diz que não encontrou nenhum indício de crime que tenha cometido. Verdade! Ele não tem pecados, porque os mandamentos que cumpre são bem diferentes dos que cumprem os comuns mortais; ele não tem crime, porque lei que Zé Dirceu respeite ainda está por ser feita. Zé acredita piamente que os fins justificam os meios, e que ninguém deve questionar meio nenhum, somente resultados.

Diz o povo que pau que nasce torto morre torto, e quem nasceu tatu, morre cavando. Zé Dirceu nasceu arrogante. Vai morrer assim. Ele, o suspeito, suspeita dos juízes porque o indiciaram, como a qualquer outro. Como é que juízes vão indiciar um sangue-azul da burocracia? Erro crasso, esse... Ainda bem que o cargo de ministro do Supremo é vitalício. Porque não vai demorar muito para ser apresentado um projeto de lei extinguindo a vitaliciedade desses cargos, para tornar seus ocupantes maleáveis.

Dirceu trabalhou duro para ser o herdeiro de Lula. Ainda acredita que possa, talvez porque a força do mensalão vai para além das medidas repressivas. Para isso, precisa silenciar os adversários, os críticos, e, sobretudo, os jornalistas que vêem demais e conta o que conseguem ver. Então ele fala de ditadura de mídia, preparando terreno para censura – será a terceira tentativa, neste governo que se diz essencialmente democrático, mas que é fundamentalmente sindical.

E sindicato funciona baseado na covardia da maioria, no comodismo e na inércia da categoria. Raramente uma assembléia sindical consegue reunir mais que 10% dos integrantes de sua base. Os dirigentes pintam e bordam – a Justiça do Trabalho tem demandas contra os sindicatos aos montes, porque eles logram seus empregados tanto ou mais que os patrões-empresários – e a maioria diz que não se mete, mas não abre mão de ganhos eventualmente alcançados. Auditorias nos sindicatos já revelaram fraudes e desvios de dinheiro em quantidade – para campanhas eleitorais, inclusive, sob a alegação de que é necessário “um representante da classe”. As críticas são respondidas a pedradas, às vezes no sentido literal da expressão.

Esse é o mundo de Zé Dirceu, e, por isso, ele está perplexo: com o mensalão, não fez nada mais do que sempre fez e foi feito na política sindical, de onde se originam todos eles. Manipular, comprar, subornar, agredir e mentir – tudo vale para conseguir os fins, e, embora os fins de um sindicato geralmente sejam conhecidos, quem é que conhece as finalidades do governo Lula?

O suspeito suspeita. Mas suspeitamos nós dessa suspeita, que destila veneno contra a imprensa e contra o Judiciário. O arrogante Zé repete um discurso que se ouviu muito há quarenta anos, nos preparativos do golpe militar de 64: a imprensa se excede, o judiciário não julga corretamente.

Provavelmente ele o repete sem querer. É que os mecanismos autoritários são os mesmos, sempre, quer seja o rumo à esquerda, quer seja o rumo à direita. Nem toda a arrogância do mundo muda isso.