quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Jatene e Serra (declaração de voto)

No ano em que completei 14 anos, dois fatos importantes me marcaram para toda vida. Em uniforme de colégio, de saia comprida e meias curtas, à noitinha, com medo e emoção, eu participava, na escadinha do cais do porto, de um primeiro comício. Era em defesa da Petrobrás. Pouco depois também conseguia meu primeiro trabalho regular: correção de textos escritos em português por um cientista alemão, em troca de um curso de datilografia, que não podia pagar. Seis meses de trabalho duro.

Desde então não parei na militância e no trabalho. A lista de atividades é longa e não vem ao caso descrevê-la. Este ano completei 50 anos de militância e, finalmente, livrei-me dos patrões, tanto os públicos, como os privados.

Como não sou de omissões, escolhi um partido político. Minha geração lutou muito, sofreu, e muitos morreram para garantir o direito de voto e de livre escolha para todos. Nós sabemos o quanto custa não ter.

Desde então, tenho sofrido patrulhamentos de muitos que, naquela época, dividiam o pão e o medo, e de outros que, nestas épocas recentes, usufruem a liberdade conquistada. Alguns se recusam até reconhecer minha participação naquelas lutas... Como se estar num partido que não continue atirando pedras a esmo, sem compromisso de construção, fosse um delito, um crime, uma traição.

Mas foi com enorme prazer que vi, finalmente, uma disputa eleitoral em que os candidatos a presidente tinham passado limpo, honrado, militante – foi a disputa entre Fernando Henrique e Lula. Nada de Collor, Sarney etc. À época, participando da campanha de Fernando Henrique, pensava que, qualquer que fosse o resultado, seria um avanço para o país.

Continuo certa de que foi. Fernando Henrique recompôs o Brasil, enfrentando uma oposição dura e leviana. Mais tarde conclui que a democracia também ensina a fazer oposição. Aquelas pessoas não sabiam: eram habituadas aos combates, não às discussões. Eram impermeáveis ao diálogo; dividiam o mundo em duas partes, a “nossa” e a “deles”. Brizola foi uma exceção. Um oposicionista capaz de conversar. Hoje, querem riscar Brizola da História do Brasil.

No Pará, Almir Gabriel, como vários outros governadores que assumiram então, encontrou o Estado esfacelado. Muitos de nós trabalhamos sem nomeação, àquela época, porque o Governo do Estado não tinha dinheiro nem crédito e antes de qualquer coisa era preciso negociar as dívidas, escalonar, sair do sufoco.

Algumas pessoas foram essenciais nesse processo. O próprio Fernando Henrique, com um apoio discreto e interessado; jogando todo o poderio de São Paulo em favor do Pará, José Serra e Mário Covas. E, indo e vindo de Brasília, discutindo com credores a enorme dívida do Estado, procurando aliados, assumindo compromissos, Simão Jatene.

Em três meses, a administração começou a fluir, contando centavos. As condições da recomposição eram extremamente duras. A oposição petista, que insultara Fernando Henrique no dia da posse e atirara pedras no governador Mário Covas, aproveitou-se da fragilidade e falta de recursos do governo para transformar o massacre de Eldorado num episódio com contornos muito maiores do que realmente era. Apesar disso – que provocou, aliás, um retraimento de investidores, por conta da imagem de que o Pará era um caldeirão prestes a explodir, o que precisou de convencimento até pessoal para mudar o quadro – a recuperação do Pará foi construída.

O PT exigia conselhos deliberativos em todas as instâncias de governo. Conselhos com poderes de cercear o executivo. Exigia eleições em toda parte. Exigia padrões de vida europeus – sem nem querer saber de onde vinha o dinheiro.

Nenhum membro do PT mexeu uma palha para recuperar o Pará. Quando eles podiam, arrumavam mais palha para complicar.

Lula e Ana Júlia assumiram os respectivos governos com a moeda estável, as contas em dia, os impostos suportáveis, reserva financeira para as primeiras folhas de pagamento, e o trem no trilho.

E aí, o PT atirou-se desbragamente à demagogia. Os conselhos viraram Fóruns, esvaziados. O governo passou a girar em torno das multidões de eleitores. O dinheiro – é, o dinheiro – passou a centralizar todas as decisões. Um núcleo econômico mais conservador que o de Fernando Henrique se encarregou de levar à escala de massa a filantropia dos grandes milionários. Pouco importa se a renda continua cada vez mais concentrada, se a desigualdade regional continua mais profunda. Os petistas dirão que a miséria diminuiu, e é verdade. O que não dizem, é que a classe média também diminuiu, sufocada pelos impostos, e o topo da pirâmide continua igual: os mesmos ricos, com mais dinheiro ainda.

Ouço Dilma na tevê, defendendo uma reforma tributária cruel, que aumenta a carga sobre os consumidores. Explicando que, ao distribuir dinheiro para os pobres, o governo move a máquina do consumo e dizendo que isso é crescimento econômico, no modelo capitalista mais primário e duro. Ela resume com precisão o pensamento do PT, e, com isso, desvenda as razões do apoio que recebe do grande capital: o sonho dourado tornado realidade, conservadorismo vestido de cor-de-rosa. O que eles não conseguiram com Collor, conseguiram com Lula: o país vive o mais selvagem capitalismo, onde os excluídos são mortos, e está feliz.

No último ano de seu governo, Lula visita e reúne com os piores ditadores do mundo. Posa para foto ao lado de sanguinários fundamentalistas, que matam mulheres e chicoteiam gays. Renega os cristãos, que o apoiaram quando perseguido, em prol de uma falsa liberalidade. Alia-se com toda a banda podre do país e garante imunidades. Sua mulher, deslumbrada, não tem vergonha de pedir cidadania italiana para os netos...

Nos oito anos do governo Lula, o Norte foi descartado. Ele não tem multidões de eleitores... A pressão do grande capital instalado em Manaus levou algumas migalhas para o Amazonas. Um recente discurso do próprio Lula, com críticas ferozes à legislação ambiental, e a ausência de propostas em favor do meio ambiente, no programa de Dilma, retratam como eles vêem a Amazônia: o grande território a ser explorado até a última espinha de peixe.

Jatene enfrentou quatro anos de governo Lula, tratado como oposição nortista, ou seja – o último dos últimos da fila. No entanto, o Pará continuou o crescimento econômico acima da média brasileira. Em três anos, Ana Julia conseguiu reduzir o crescimento para abaixo da média.

Eis porque, da mesma forma como enfrentei o golpe militar, chamado de “revolução” por milhões de brasileiros que festejavam as tropas com chuvas de papel picado e aplausos nas ruas – o que não aconteceu apenas em Copacabana – enfrento hoje a miragem ilusionista do lulismo. Pouco importa se as fardas verdes foram substituídas por camisetas vermelhas: o que importa é quem as comanda.
E para reconhecer os verdadeiros comandantes, os barões do império que nunca se desfez, basta procurar os sobrenomes...

É por isso que eu voto Serra e Jatene.