Yasmin é uma brasileirinha de dez anos, pequenina e de corpo flexível. Um dia se encantou com a ginástica rítmica. A mãe, empregada doméstica, andou de seca a meca e conseguiu encaixá-la numa turma, num desses programas de esporte-educação.
Yasmim treina sozinha, em casa. Até passou a fazer os deveres escolares sem ninguém mandar, para garantir sua vaga. Três vezes por semana, passa as tardes na ginástica.
Eu fui lá, duas ou três vezes.
É um galpão, ex-depósito de cerveja, com piso de cimento, telha de brasilit, quente e escuro. As cerca de 50 crianças sentam em roda, e as três professoras programam a atividade aos poucos, algumas de cada vez, ou aquecimento geral.
Volta e meia Yasmim vem com uma rifa. Para comprar material: o arco, a malha, a sapatilha. Dez bilhetes para cada família – mas algumas meninas não levam. “Se não vender, tem que pagar, e minha mãe não vai poder”, explicam, envergonhadas. Todas elas são muito pobres. Todas elas têm os corpos flexíveis e muita esperança.
Um dia destes Yasmim chegou feliz. Havia conseguido ser selecionada entre as melhores, para participar de uma apresentação. Foi ao tablado, saiu-se bem, e foi para uma segunda seleção: agora, para viajar, para uma apresentação do nordeste.
Duas semanas antes da viagem, a lista de providências necessárias: documento de identidade e laudo médico.
A família de Yasmim se movimentou. O documento de identidade até que foi rápido, mas o laudo... A mãe foi ao posto de saúde, a consulta só sairia com quinze dias. No final da semana Yasmim chorou um dia inteiro. O laudo parecia impossível, a viagem cancelada. A mãe, a irmã e a tia partiram para enfrentar o SUS. Dois dias antes do final do prazo conseguiram um médico caridoso que examinou a menina fora da fila interminável, e expediu o laudo, dizendo que ela tem condições boas de saúde.
Yasmim foi competir. Os que ficaram, mergulharam na internet, a pedido da mãe: Yasmim precisa da bola, a bola da ginástica rítmica.
Onde se compra essa bola? O mercado livre foi vasculhado, o mercado formal também. Só por encomenda. Os organizadores do programa não sabem informar? Não vão encomendar para todas as meninas? Não, não tem dinheiro suficiente, até agora só se conseguiu o arco. Nem bola, nem maça, nem fita.
Nem avaliação correta de condições físicas – dentes, ossos, dieta. Yasmim freqüenta emergências e campanhas de vacinação. E é só.
Eu não posso deixar de pensar no dinheiro das loterias, que deveria estar financiando essas coisas, mas fica dentro da caixa preta do sistema educacional, e só Deus sabe o que acontece com ele. Na melhor das hipóteses, provavelmente transformado em quadras polivalentes, para diversão comunitária, porque os lobbies da construção civil não dão moleza...
Nos próximos dias, Yasmim e suas coleguinhas vão encher os olhos com as ginastas que jogarão para o alto, bolas, maças, fitas e arcos, deslizando suas acrobacias e sorrindo. Elas sonharão, menos em estar na numa olimpíada, mas em simplesmente participar de tanta beleza. Para elas, que ralam os joelhos nas mantas que atenuam o cimento cru, subir num simples tablado já seria maravilhoso - mais ainda empunhar as impossíveis maças e bolas oficiais.
E autoridades e cartolas ainda fazem cara de decepção com o desempenho olímpico brasileiro...
Cínicos.
Um comentário:
Um abraço pra você, Ana.
Um beijo para Yasmim.
E, desculpe a falta de compostura - que minha mãe tanto insistiu para que tivéssemos -, um cotôco para os cartolas.
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