... não foi empecilho para duas imperatrizes orientais que conseguiram vencer o pior machismo: o institucional. Ambas se viram em situações muito difíceis: mães viúvas de herdeiros de trono com três e cinco anos de idade. Uma na China, outra em Bizâncio.
É bom dizer que ambas tinham uma coisa em comum: eram alfabetizadas, sabiam ler e escrever, o que, nas épocas em que viveram, era muito raro entre mulheres.
Elas se chamavam Wu – a chinesa – e Teófano – a grega. Diga-se de passagem que esta última não nasceu com este nome. Nasceu Anastacia. Quando o imperador bizantino a escolheu para esposa, trocou-lhe o nome. Teofania quer dizer momento de presença divina – e dá pra sentir por aí o quanto era apaixonado este imperador por sua mulher.
Wu era simplesmente a primeira esposa, a mãe do herdeiro. Era inteligente o bastante para aconselhar o imperador, e foi isso o que fez enquanto ele viveu. E o fez tão bem que, quando ele morreu, ela conhecia a fundo os negócios do império.
Ambas também tiveram outro ponto em comum. Souberam escolher alguns eunucos.
Aqui, um parênteses: eunucos eram castrados que podiam ter contato com as mulheres. Esse trânsito, e mais a isenção do serviço militar, a que eram obrigados os homens todos, tanto por cultura como por necessidade, os conduzia naturalmente à administração. Todos os grandes impérios orientais – o persa, o chinês, o bizantino, o otomano – foram administrados por gays. Wu e Teófano souberam escolher os seus. Ficaram com os melhores.
Voltamos agora ao começo. Wu, viúva, com um filho de cinco anos, imperador do sol e filho do céu, não podia ser regente. Era mulher. O primeiro problema era manter vivo o imperador-criança; o segundo era deter a corrida ao poder por parte dos nobres. Wu fugiu da briga. Informou que, enquanto não decidissem a regência, a criança ocuparia o trono. Todos pensaram que era apenas formalidade, e concordaram. Wu mandou colocar um biombo atrás do trono – afinal, o imperador era muito pequeno, podia cometer uma impropriedade protocolar. Todos também acharam isso natural. Atrás do biombo sentou-se Wu, e guardando o biombo, ficou seu principal eunuco. E ela assumiu o poder. Durante vinte anos ela governou atrás de um biombo, no início pela boca do eunuco, mais tarde pessoalmente, e, depois, à medida que o imperador vencia a adolescência, ela foi se afastando progressivamente, até ser ele pai, e uma primeira esposa reinvindicar o lugar de imperatriz. Wu morreu de morte natural; diz-se que foi dos mais cruéis imperadores chineses. Mas diz-se também que, enquanto governou, não houve fome na China.
Quanto a Teófano, o seu pequenino tinha três anos. Ela sofreu um golpe de Estado logo após a morte do marido. Casou-se com o golpista, e, usando com extrema habilidade a coroa do filho, convenceu o novo imperador a coroar o menino como co-imperador, para sossegar os descontentes. O novo imperador era um guerreiro, e, enquanto ele se distraia com artes marciais, ela passava de conselheira a governante. Em seis anos, conseguiu despachar o marido para os confins do império, tirou-lhe a coroa e fez coroar, como co-imperador do filho, o amante – a pessoa que escolhera para casar-se novamente, e não pudera. O menino tinha onze anos, ela assumiu a regência da metade imperial dele. Quando deixou o poder, e retirou-se para uma casa religiosa que mandara construir, fez com que dois filhos que tivera depois de regente fossem também coroados co-imperadores, para evitar uma disputa sangrenta pelo poder. Diz-se que Teófano foi uma das piores sogras que alguém possa ter na vida. Mas também que não se passava fome em Bizâncio, porque, nas épocas difíceis, ela socorria os famintos.
Agora você pergunta porque é que eu fui desencavar estas mulheres tão antigas e contar essas histórias. E eu lhe digo: para mostrar que nossas dificuldades, como mulheres do século XXI, são pequeninas diante das que elas souberam vencer, para manter as cabeças em cima dos respectivos pescoços, e as coroas em cima das cabeças dos filhos. Nós só estamos prosseguindo um caminho.
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Um comentário:
Talvez sem a mesma firmeza.
Um abraço.
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