segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
A fala dos presentes
A caridosa jovem levara para a pobre creche uma partida de presentes de Natal: bolas para os meninos, bonecas para as meninas. Comprara com seu próprio dinheiro, bolas iguais, bonecas iguais. Participou da festa e da distribuição. Dias depois, conversando com uma menina de uns seis, sete anos de idade, ouviu da garota que nunca tinha ganhado um presente.
- Mas você estava aqui na festa, recebeu um presente, sim!, disse a jovem. E a menina:
- Não foi um presente, foi só uma boneca...
Os presentes falam. A menina em questão entendeu a linguagem do seu, embora não conhecesse a palavra certa para classificá-lo: foi uma esmola. Esse tipo de donativo sempre é. Comprado em lotes saídos de fábrica, estereotipados (bolas ou carrinhos e bonecas, quase sempre), distribuídos por cabeça, são dados ao símbolo “criança”, não a uma criança pessoa. E, embora sejam muito festejados pela mídia e reivindicados pelos pais, levam uma alegria pela metade, a alegria politicamente correta: porque é Natal, dão-se presentes.
Uma linguagem parecida é expressa pelos presentes das confraternizações. Impessoais, com limite de preço e, de preferência, unissex, eles exprimem apenas o cumprimento de uma obrigação social. Não se relacionam com a pessoa, mas com o ser social: o técnico, o auxiliar, a secretária, o colega da ginástica. Um olhar sobre o tipo de presentes dados por amigos invisíveis revela um oceano de padrões: cantor romântico para pessoas de meia idade, cantor de rock ou pop para os jovens, artigos de papelaria para as secretárias, chaveiros para os homens. Um brinco para a garota da recepção. E sabonetes.
Escolher muitos presentes é cansativo. Muita gente se exime disso: encarrega um terceiro de “ir às compras de Natal”. A lista tem que caber no orçamento e a ida às compras tem que caber no tempo disponível. Os preços vão alterando as ideias iniciais e de repente está tudo igual ao ano passado: para o idoso, roupa de dormir, toalha de banho ou sabonete. Para a adolescente, uma bijuteria. Para o marido ou a esposa, um perfuminho. Para o rapaz, uma carteira, um pen-drive. O terceiro encarregado dá seu jeito e os presentes traduzem exatamente a diferença entre a boa vontade e a disponibilidade de dinheiro e a falta de tempo. Este tipo de presente é menos impessoal, porque leva em conta o mínimo de conhecimento da pessoa que vai receber.
Um bom presente, um presente de verdade, informa à pessoa que recebe que ela não é apenas mais uma, mas está identificada em seus gostos, necessidades e preferências. Isso é produto de convivência e bem-querer, não é coisa que se descubra apenas na semana do Natal. Presentes sem custo (como um abraço) ou baratinhos (como um chaveirinho de torcedor) ou caríssimos (como certos tênis) precisam refletir isso, para não serem “só uma boneca”. Ou apenas uma obrigação.
Por isso que um bom propósito de Ano Novo é prevenir o Natal e os aniversários que virão aos poucos, desde janeiro. O custo/benefício é bem maior: comprar aos poucos sai mais barato e dá para lembrar exatamente o que cada pessoa da lista necessita ou deseja. Além de que o estresse do Natal é reduzido: haverá sempre as últimas compras, mas serão apenas as últimas, não todas.
É com este propósito, que não sei se cumprirei, que me despeço de 2013. Agradeço a todos vocês a paciência de me acompanharem e espero que vivam 2014 intensamente, com a felicidade ao alcance do coração.
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