segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O gosto das algas

Desculpem-me os amigos pela ausência prolongada. Tentarei retomar o ritmo, a partir de agora, duas ou três vezes por semana.

Muitas coisas aconteceram nesse período – até mesmo o reconhecimento de que o custo de vida está subindo depressa demais, tema de meu último texto. Explicaram-me que o caso é sazonal. Mas não é bem assim, e os plantonistas oficiais sabem disso tão bem quanto eu.

O Brasil não produz o suficiente para seu abastecimento, e não vai ser o programa de bolsas que vai resolver isso. O dinheiro distribuído através desse programa de assistência força o consumo. Esse é o problema desse programa de distribuição de dinheiro: ele não é distribuição de renda, porque é precário, e, ele sim, sazonal. Ele não é acompanhado da produção equivalente: e, lastimo dizer, não há nenhum mecanismo estabelecido que tire o favelado da bolsa-família para o emprego, ou para a produção própria. Mas há alguns bilhões de reais forçando o consumo: o preço sobe.

É preciso fazer um pouco mais do que simplesmente dar dinheiro ou dar cursos. É preciso criar mecanismos de financiamento que não sejam essa estupidez de juros que os bancos cobram. Aí, sim, haverá uma pressão razoável, de consumo e produção simultâneos, o que se traduz em riqueza.

Além disso, há uma outra pressão sobre o preço dos alimentos: a entrada, no mercado global, da China. A China abriga um terço da população mundial. Para ter idéia do que isso significa, feche os olhos e imagine um bilhão de pares de sapato (dois bilhões de sapatos) empilhados – é o que existe na China, num dia qualquer. Duzentos gramas de arroz por pessoa (dieta de fome!) por dia, significa 6 bilhões de toneladas por mês. É tanto, que desconfio que os chineses usam o megaton (ou megatonelada) para projetar sua demanda. O Brasil produz 10 milhões de toneladas por ano.

Mas quanto ao arroz, a China é auto-suficiente. Precisa, entretanto, de carne, frango, ovos, legumes, e tudo o que puder ser comido. Não há espaço, lá, para rebanhos. A pressão é tanta, que existem fazendas do tamanho de um apartamento de luxo – 700 metros quadrados. E não são fazendas de cogumelos...

O degelo político chinês vai pressionar os preços dos alimentos no mundo todo – e os primeiros reflexos disso já se fizeram sentir. A continuar nesse ritmo, rapidamente vamos sentir saudades “dos tempos do churrasco”.

Essa situação é inapelável, vai acontecer e pronto. O que me causa espécie é que nenhuma autoridade se prepara para isso, ou pelo menos avisa o que vai acontecer; todos se apressam em dizer que o aumento é temporário, sazonal. E fica-se plantando cana para fazer álcool, e cantando loas para a cana, quando o mundo está prestes a voltar à época dos primatas, caçando comida dia e noite.

Alguns talvez digam que estou na contramão do processo de desenvolvimento. Mas o futuro, embora a Deus pertença, não mostra outros cenários. Ainda temos os oceanos para explorar, mas o gosto das algas é de lascar!

Um comentário:

O. Arouck disse...

Matou a saudade dos amigos-leitores.