Um dia qualquer de dezembro, rua Miguel, anoitecer. Um homem estava parado na porta de sua casa. Vamos chamá-lo de Zé. Não Zé da Rua, que ele não é nenhum cidadão de nada. Ele é Zé, o receptador. Zé, o homem da dica de ouro para um assalto que renda. Zé, homem de respeito no meio da bandidagem. O cara que sabe se entender com os caras: polícia pula a casa dele quando dá batida geral no pedaço.
De repente, um carro de vidros pretos, um revólver e pasma a vizinhança: o Zé, o homem, o cara, foi sequestrado.
O carro arranca e some no silêncio atônito de todo mundo. É a mulher do Zé que dá o primeiro grito. Ela agarra o filho mais velho, um menino magro de sete anos, a única pessoa da rua Miguel a andar com cordão de ouro no pescoço – ninguém toca nele. O menor, de dois anos, dorme. O alvoroço sacode a rua e, boca a boca, a notícia entra na invasão.
Ali, quem dormia, acordou. Uns dois ou três se mexeram: um foi avisar o pai do Zé, outros dar apoio para a mulher. Agora, espera.
Duas horas depois, o telefone. Pedido de resgate: trinta mil.
A mulher chora, implora: só tem quinze. Não tem como arranjar os trinta. A voz no telefone foi inflexível: trinta mil, nem mais, nem menos. Ela pede tempo. A voz diz que pode até receber os quinze logo, mas quer trinta.
O pessoal do apoio orienta a mulher: combina logo, entrega os quinze, pode ser que resolva! Ela vai, vai, marca encontro no Entroncamento, para o dia seguinte, com quinze mil.
De boca em boca a notícia se espalha. No dia marcado, hora aprazada, ela afrouxa, o pai assume. De repente, a pacata rua Miguel parecia entrada de shopping: mais de dez motocicletas, com duplas nos assentos, gente a pé e carro cheio. Todos armados. Para escoltar o pai do Zé, oras. Afinal, ele é um cidadão de respeito.
Na invasão, o comentário cresce, falado baixinho, boca-ouvido. Aquele assalto... há uns anos. Foi um assalto de trinta mil, dois foram presos, o terceiro fugiu com o dinheiro. Foi logo antes do Zé montar seu negócio de comprar roubo e furto, negociar paradas. Será?
Era trinta mil, certo, e trinta mil, nem mais nem menos, estão exigindo agora. Alguém faz contas, poderia ser o tempo da condicional... Por onde andam os dois, por onde? Quem foi, quem não foi, nunca se soube quem era o cara...
Uns da escolta saem na frente, batendo os arredores do Castanheira, virando o Entroncamento do avesso. Outros acompanham o pai do Zé com o dinheiro.
Os da frente vão na pista, encontram rastro e, finalmente o carro com Zé e mais um motorista, amarrados, dentro da mala. Rendem os sequestradores.
Pára, pára tudo – e chama a polícia. De município vizinho de Belém.
Porque, de outro município? Porque se fosse a que atua no bairro ia soltar todo mundo, respondem os motociclistas da escolta. Ah, então tá.
Os homens da lei libertam os reféns, o pai do Zé guarda o capital de volta. Os sequestradores ficam presos. São dois Zés-Ninguéns. Zé, o capitalista do assalto, toma cuidado com o que diz. Não sabe nada, foi bem tratado, ficou na mala, e só.
Está, entretanto, aturdido. Confessa para os íntimos que está com medo. Pensa em sair desta cidade, porque está violenta demais. Conta que recebe agora ameças de morte.
Na invasão, uns e outros olham desconfiados para o Zé. Não têm certeza, mas...
***
Esta história é real. Eu troquei nomes e escondi lugares porque também acho que a cidade está violenta demais - e não pretendo receber ameaças de morte.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
É dona Ana, também creio que Belém e região metropolitana estão horríveis para se andar com tranquilidade. Atualmente as pessoas caminham pelas ruas com aparência preocupada com o que pode acontecer. E somos maioria em comparação com o número de bandidos por ai. Na cidade nova, especificamente, bandido apanha mesmo e até matam uns aqui de vez em quando. É triste essa situação, mas vamos proteger-nos como pudermos.
Abraços.
Postar um comentário