Desculpem-me a irregularidade, mas a precariedade dos
serviços telefônicos – instalações e linhas – contribuiu para minhas falhas. A
indiferença dos prestadores, a inércia dos fiscalizadores e a falta de eficácia
do Judiciário estão banalizando o serviço ruim que temos. Torna-se “normal” ter
falhas, interrupções, esperar dias e dias por uma providência e, afinal, saber
que nada está resolvido, apenas adiado para outro ciclo mais adiante.
Da mesma forma torna-se “normal” pagar um ingresso caro para
o jogo de futebol mais importante do Estado que, de maneira “normal”, registra
uma falta a cada dois minutos e nada além disso. Ou assistir um telejornal onde
não está a notícia que corre boca a boca pela cidade. Ou, ainda, ser assaltado
num estacionamento de supermercado.
Estamos nos sujeitando, cada vez mais, a “normalidades” que
nos empurram para uma vida completamente anormal, para a barbárie do
justiçamento vingativo, para o salve-se como puder das múltiplas agressões que
sofremos diariamente: os impostos e taxas escorchantes cobrados pelos
administradores públicos para que façam do dinheiro o que bem quiserem; o
completo desrespeito ao cliente, ao consumidor por parte de toda a iniciativa
privada, do padeiro da esquina à multinacional, passando pelos bancos e grandes
conglomerados de negócios; o transporte ruim, o trânsito mal administrado, o
ambiente poluído.
Gradualmente deixamos de confiar em quem quer que seja e, se
damos crédito a alguém, nos chamam de otários ou nos advertem porque nos
arriscamos demais. Aos poucos, está-se criando uma cultura em que você, vítima,
você, a pessoa que foi lesada, você, a pessoa que foi assaltada, é o culpado:
facilitou, dizem. Ah, ele reagiu a um assalto, por isso levou um tiro... Ah, você não fiscalizou a compra, por isso
perdeu o dinheiro... Ah, você devia ter reclamado antes...
Se alguém disser que vai aproveitar o silêncio e a beleza da
manhã de domingo para uma caminhada, alguém próximo dirá logo: não faça isso,
as ruas estão desertas, é perigoso! E a pessoa fica, sem perceber que é anormal
não poder usufruir um belo dia. Que é anormal ter que ficar circunscrito na
toca.
Se alguém reclama no supermercado, os circunstantes olham
com estranheza. Não percebem que a passividade com que aceitam as fraudes
diárias é que é estranho. Sua normalidade é de ter um risco em cada compra, uma
batata estragada em cada pacote, produtos fora da validade na prateleira. E
censuram: porque você não prestou atenção? Você, a vítima da fraude, é o
culpado...
Em suma: salve-se como puder, porque ninguém virá salvá-lo.
Entregue os anéis para conservar os dedos. Transija e agradeça continuar vivo.
E como o que a maioria das pessoas quer é viver em paz,
entrega os anéis e transige, sem perceber que, com isso, torna cada vez mais
sólida a falta de paz.
2 comentários:
Uma reação anormal a um acontecimento anormal é normal - Viktor Frankl
De fato! Acrescento a "normalidade" do trânsito em Belém: é normal avançar o sinal vermelho (especialmente os ônibus); é normal estacionar nas calçadas; é normal para em fila dupla; é normal para onde se quer sendo suficiente ligar o pisca-alerta; é normal estacionar nas vagas especiais em ter qualquer necessidade especial, etc, etc,etc,
Bjs,
Cristina Vaz
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