David Stafford é um respeitado historiador inglês. E dele
estou acabando de ler o livro “Fim de jogo – 1945” que relata, numa linguagem
agradável que apresenta uma rigorosa pesquisa, os últimos dias da II Guerra
Mundial na Europa.
É preciso estômago forte para ir até o final do livro, tal o
rosário de misérias e atrocidades. Mas o que Stafford traz de novo, para além dos campos
de concentração e de extermínio, é exatamente a quantidade de pequenos conflitos
étnicos que irromperam com o final da guerra: as matanças não visavam apenas os
alemães mas também ajustes de ressentimentos cultivados e ódios antigos. Ele
demonstra, sem dizê-lo expressamente, que o nazismo foi apenas uma floração
dolorosa do racismo europeu, cujas raízes estão profundamente entranhadas na
sua cultura. Como bom inglês, ele fala da Europa como se a Grã-Bretanha não
fizesse parte dela – talvez porque seja doloroso demais comprometer-se.
E eis que o racismo europeu apresenta, agora, bananas. Um
gesto de torcida, diriam, punível pelos órgãos de futebol. Mas as bananas
atiradas nos campos de futebol estão ligadas a um conjunto de outros fatos que,
nos últimos anos, vêm ocupando os noticiários e, aparentemente localizados,
informam que a Europa, Grã-Bretanha incluída, esqueceu a dura lição da guerra,
ou não quis aprendê-la. Atirou a culpa nos nazistas, uma massa informe e indistinta,
com alguns nomes de proa, e lavou as mãos.
Esses fatos o leitor encontrará facilmente. A recepção dada
aos imigrantes clandestinos africanos em Lampedusa, na Itália, com todos nus
recebendo duchas de desinfetante num pátio aberto; as expulsões de imigrantes e
as leis duras contra eles, que a França está aprovando e a Inglaterra já aprovou;
a hostilidade dos portugueses contra os brasileiros; a investida contra os ciganos
– que também sofreram um holocausto na II Guerra - deportados pelos países
latinos para a Romênia e tratados como párias em toda a Europa; e, ainda agora,
a crise da Criméia, com russos e ucranianos disputando território com base na
etnia - todos esses fatos são sinais inequívocos de que cada tribo europeia
ainda acha que o seu umbigo é superior e diferente daquele dos outros.
Então as bananas são coisa séria: refletem uma posição
coletiva, um ânimo discriminatório latente e continuado. E oferecem o risco da
contaminação, quando, por exemplo, torcedores brasileiros – estes, sim, macacos
imitadores – decidem fazer o mesmo. Além disso, não se pode desprezar o valor
político do esporte. Os pódios olímpicos servem para muito mais que condecorar
campeões. Serviram, em 1968, para engrossar a luta pelos direitos civis dos
negros americanos e, em 1936, para reforçar o nazismo alemão. Neste ano,
serviram para a afirmação russa.
O cacho europeu está engrossando e nos cabe não permitir que
as bananas que dele saem contaminem, como contaminaram nas décadas de 1930 e
1940, o mundo todo. Embora em crise econômica, o poder europeu ainda é
considerável, principalmente ao se considerar a influência sobre o conhecimento:
seu conjunto de ciência e tecnologia é capaz, ainda, de conduzir o pensamento
ocidental.
Há que bloquear as bananas, já que erradicar a bananeira
está fora de nosso alcance. E temos que ser duros nesse bloqueio: não basta a
punição das autoridades desportivas sobre os clubes e, embora atitudes como as
de Daniel Alves e Neymar sejam importantes enquanto reação de atletas, é
preciso ter claro que bananas em campo, no Brasil, devem ser caso de polícia.
Sem exceções.
Um comentário:
Pô, esse livro é uma parada.
Para ler com garrafa de água ao lado, afogando as reviravoltas do estômago na acidez e bile provocadas.
Uma sugestão para a escrita sobre o preconceito: abordar sempre as Leis de Nuremberg. Para as pessoas relembrarem e para outras aprenderem.
Garanto que aqueles que alimentam preconceitos de várias ordens detestariam se reconhecer nos nazis. Mas é inevitável com os fatos.
C.
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