É uma copa estranha. Em todas as transmissões, em todos os
jogos, desfilam os nomes de clubes europeus, maiores ou menores. O que provocou
um comentário de um leitor de Kfouri: não são os jogadores, mas o futebol que
se joga lá que está distante anos-luz do que se joga aqui.
A partir desse comentário passei a assistir os jogos de outra
maneira. Eu gosto de futebol e até hoje não entendo como é que o sistema
escolar brasileiro – todo ele, todo – caminha de costas para esse esporte, preferindo
outros jogos coletivos, num país onde uma criança aprende a chutar uma bola
logo nos primeiros passos, às vezes antes. Eu gosto do jogo longo, da sua
dificuldade, da parcimônia das regras e da possibilidade que premia tanto o
esforço como o talento. E porque gosto de futebol passei a procurar, no
conjunto das 32 seleções que estão por aqui, os sinais dessa diferença de
anos-luz entre o primeiro e os outros mundos.
Bem, a maioria das seleções reúne jogadores daqui e dali,
arrumados de alguma maneira em campo por um treinador competente. O treinador
da Bósnia confessa que, na falta de jogadores, teve que caçar pelo mundo
craques que tivessem antepassados bósnios recentes e se ater com o que
conseguiu. Mesmo a humilde Costa Rica tem parte de seus jogadores atuando em
clubes europeus. O resultado é que quase todas as seleções apresentam desníveis
internos severos que aparecem de repente na perda incrível de um gol feito, na
incapacidade técnica de controlar a bola, na cabeça baixa do jogador titubeante
e no frango engolido por um goleiro surpreso.
Mas o comentário também me levou a uma outra estranheza: é
uma copa latina de futebol europeu. Os comentaristas falam em escolas de
futebol, mas o que tenho visto é um padrão. Esse padrão é pragmático e
eficiente; é tolerante com o anti-jogo para parar o adversário; considera a
falta como indispensável em determinadas situações; e chama de agarra-agarra o
verdadeiro vale-tudo nas cobranças de escanteio.
Em futebol o feio é perder?
Se assim fosse alguns times não teriam mais torcedores. No
entanto as fiéis continuam emprestando seu prestígio e comprando ingressos para
ver derrotas, empates, uma ou outra vitória. Por isso acredito que em futebol o
feio é não jogar. As vaias contra os times e seleções que ganham tempo e se
fecham na defesa me fazem crer que a maioria também pensa como eu.
E aqui volto ao tema: cadê a escola latino-americana do
futebol? Cadê aquele futebol rápido, envolvente, às vezes catimbeiro e às vezes
brilhante, em que o preparo e o vigor físicos do jogador não são usados para
impedir o outro de jogar, mas para impor a própria técnica sobre o adversário? Cadê
a escola asiática, que usa a velocidade para compensar a estatura e pouca massa
muscular? Serão assim tão anos-luz
piores da europeia?
Tenho a impressão que o que estamos vendo hoje no Brasil é
somente mais um aspecto da globalização: uma elite mundial do futebol, que joga
na Europa e que, eventualmente, veste a camisa do país onde nasceu ou tem
raízes, para se apresentar em uma composição diferente da habitual num
mega-evento.
O que, de fato, está a anos-luz do futebol que jogamos por
aqui. Porque não tem paixão alguma rolando dentro de campo. Só na torcida.
Um comentário:
Sim, é uma copa de futebol ao estilo europeu, o contacto 'faz parte', desde que se chegue à vitória. Uma copa onde o futebol da 'roja espanhola' fez escola por seis anos. Mas é, também uma copa onde vejo uma nova escola surgindo e se firmando no cenario mundial, a da Concacaf. A influencia dos Estados Unidos, onde o segundo lugar cabe apenas ao primeiro perdedor, está fazendo times como Costa Rica, México e o próprio Estados Unidos chegar à vitórias impensáveis há poucas copas atrás. Não importa se um braço ou os pelos ficaram pelo caminho. Vi isto no empate Brasil x Mexico, nos Estados Unidos posicionado em primeiro no chamado Grupo Da Morte, e na Costa Rica derrotando dois campeões mundiais para se classificar em primeiro em seu grupo. Nesses sim, vi esforço dentro de campo equivalente ao fervor das torcidas nas arquibancadas.
Sim, é uma copa globalizada: assisto os comentários sobre os preparativos da seleção em Portugues (Globo Internacional não mostra os jogos); e assisto os jogos em Ingles (ESPN2) ou Espanhol (Univision). Como na letra do samba, isso é globalização.
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