Na salada de comentários sobre a campanha eleitoral que termina,
retiro dois ingredientes comuns aos partidários do amarelo ou do vermelho: a
catástrofe que acontecerá se o outro lado vencer; e a consideração de que esta
foi a campanha mais lamentável, nojenta e baixa de que se tem notícia.
A isto somo a minha experiência. Participando da política há
mais de 50 anos, do grêmio estudantil à UNE, do jornalismo ao PSDB, passando
pela ditadura, pela constituinte, pela oposição e pela situação, já vi boi voar
e gafanhoto dar leite. Há sempre quem preveja uma catástrofe na vitória alheia
e quem ache que a campanha foi suja demais. Não é a minha opinião.
Creio que o bem maior é a liberdade democrática e, nela, a
alternância no poder é essencial. Há países que mantém por décadas o mesmo
partido, ou o mesmo sujeito, na direção; nenhum deles tem boas histórias para
contar no final desses longos períodos. Às vezes, como na Alemanha, um
espetacular resultado econômico cobra seu preço; às vezes, como em Portugal, os
cravos se descobrem sem canteiros suficientes. Uma campanha eleitoral é um complexo
fenômeno sociológico com começo, meio e fim. O processo tem tantas variáveis e
tantas implicações que não se pode definir, como querem muitos dos que
escrevem, o que acontecerá depois. Há consequências, por certo. Mas muito poucas são
previsíveis.
Quanto à sujeira, o que vi nesta campanha só diferiu das
outras pela extraordinária abertura política proporcionada pela internet.
Milhares de pessoas – talvez isto chegue à casa do milhão – deixaram de ser
espectadores para interferir diretamente. Para mim, isto é uma novidade muito
boa: prepara terreno para o fim dos donos
do povo, aquelas pessoas que rotulam toda e qualquer opinião contrária ao
que pensam como antipovo. Ora, o povo é um ente abstrato e, assim, não tem
necessidades, nem demandas, nem interesses. Quem tem necessidades, demandas e
interesses são as pessoas e estas estão preferindo posicionar-se, usando
largamente os recursos do teclado e dos canais virtuais para dizerem exatamente
o que pensam, gostem ou não gostem os demais.
A boataria solta é típica e característica das campanhas
eleitorais. A novidade desta foi a velocidade de circulação. Desinformar e
destratar o adversário são instrumentos usados desde que Davi depôs Saul e tomou
o poder em Israel. A natureza humana continua a mesma. Desta vez, entretanto,
milhares de pessoas resolveram fazer o mesmo.
Abro uma exceção para o que aconteceu aqui no Pará. Na reta
final da campanha tive a sensação de voltar às eleições dos anos 1950, nos
duelos entre “A Folha do Norte” e “O Liberal”, este então órgão oficial do PSD
e o outro ligado à UDN. Como agora, o jornalismo passava longe das páginas,
transformadas em coletâneas de ofensas e desinformação. Os nossos dois
principais jornais vão pagar caro, em descrédito, pela desconfiança que
incutiram nos leitores. A palavra na telinha do telefone ou do computador
desaparece fácil; a palavra impressa permanece.
Outro lamento faço para a Justiça Eleitoral, que está
jogando fora uma longa tradição: a de viabilizar com a máxima imparcialidade o
pleito. Espero que a postura censora que os juízes tomaram, a partir de decisões
e discussões no TSE (particularmente uma sessão em que os ministros deitaram
falação sobre como devem ser os programas eleitorais) seja apenas um surto
passageiro. As principais funções da Justiça Eleitoral são evitar fraudes, homologar
e fazer cumprir as pactuações entre as correntes políticas para que se faça a
eleição. Ela já se mete demais em regulações (muitas, prejudiciais aos partidos
pequenos) e, a continuar desse jeito, vai acabar inviabilizando a
multiplicidade essencial para equilibrar o radicalismo, caminho natural do
confronto entre os grandes partidos.
Mas, no geral, essa campanha fugiu à regra porque foi emocionante:
não houve nenhum ungido de Deus, nenhum salvador da Pátria, nenhum polarizador
inconteste. Homens e mulheres discutiram o que quiseram e como puderam, fizeram
proselitismo, escolheram as virtudes e defeitos de candidatos sem mística
alguma. O Brasil mostrou a sua cara, essa é que é a verdade. E, se houve muita
lama atirada nessa cara, houve também um enorme esforço cívico, livre, leve e
solto, para decidir o caminho do futuro.
Um comentário:
Concordo com você, Ana, sobre a importância das redes sociais. Meios como jornais e emissoras terão muito mais dificuldade em impor seus desejos. E seguramente vamos aprender a filtrar as informações verdadeiras das falsas.
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