Não pude escrever nas duas últimas semanas. Tive que
enfrentar um maremoto de problemas.
Retorno agora, saindo das voltas do parafuso pessoal para
constatar que as campanhas eleitorais para o segundo turno também estão em
parafuso.
Assisto entrevistas surreais: perguntas sem respostas e
afirmações sem perguntas. Retórica sem conteúdo. Puro palavrório.
Bate-boca sem debate. Fuxico. Um parafuso no rumo do lodaçal
formado por pedaços de inquéritos, confissões duvidosas, confusões deliberadas.
Rejeição contra rejeição: Kafka, o transgressor, gostaria disto. Ou talvez
constatasse que tudo o que imaginou e escreveu é pouco diante da fertilidade
brasileira, que transforma pau em pedra e esvazia palavras com uma inimitável
arte.
Bem, pelo menos há menor quantidade de promessas impossíveis
de cumprir, abundantes nas eleições passadas. Mas só porque o tempo de tevê é
limitado.
Mesmo assim, os candidatos deveriam aprender com os romeiros
de Belém e de Aparecida a arte de barganhar com os santos por meio de
promessas. Os romeiros não prometem o que não podem cumprir. Quitam-se de
maneira fácil: manhã de caminhada com uma casinha na cabeça, dias de caminhada
na romaria a pé pelas estradas, períodos de esforço e sofrimento para agradecer
e pedir. Não devem, não temem. Sobretudo, não mentem para os santificados,
coisa banal nas campanhas eleitorais.
Este parafuso eleitoral não parece um voo. Parece mais uma
broca, como as da Petrobrás. Às vezes, a broca encontra petróleo. Às vezes,
gás. E, às vezes, apenas lama e água salgada. Pelo buraco aberto pela broca
jorrará o que a terra guardou. O que será que o Brasil guardou? Até agora, o
que vem saindo da perfuração, quer na tevê, quer nas redes sociais,
assemelha-se a uma catarse coletiva: o Brasil profundo despeja tudo o que
estava travado na garganta, dando voltas na cabeça, envenenando o cotidiano. No fundo do poço talvez haja uma boa surpresa.
Ou talvez mais lama.
Tenho esperança de que a experiência eleitoral deste ano
seja aproveitada para alguma mudança que melhore o sistema. Uma pequenina
esperança, apenas. O conjunto de políticos eleito para o Congresso nacional não
ajuda em nada esta esperança. Em sua maioria são pragmáticos senhores que não
costumam refletir. Uma representação correta do Brasil de hoje, em que leitores
são raros e espiadores, milhões; em que as escolas produzem, para cada
pesquisador, milhares de analfabetos funcionais.
Pode ser que esses pragmáticos senhores consigam identificar
boas surpresas quando o parafuso eleitoral acabar. Pode ser que, depois que a
broca despejou o lado negro do coração do Brasil, seja a vez da riqueza
aflorar.
Se os romeiros acreditam nas graças e milagres, porque eu
não acreditaria também?
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