No final do segundo turno das eleições a Folha de São Paulo
publicou um mapa relacionando votos e renda média municipal. De si mesmo, esta
relação não significa nada. Mas trouxe para discussão o grau de dependência das
populações para com as transferências diretas da União (previdência social,
bolsas e auxílios) e revelou, pela primeira vez de forma fácil, a brutal
pobreza das populações da Região Norte. Só para se ter uma ideia, a renda média
municipal em Belém é pouco superior à menor renda média municipal no Rio Grande
do Sul e menos da metade da renda média municipal de Porto Alegre.
Depois, muito se falou sobre país dividido. Sobre voto
atrelado. Sobre população pobre e população rica. Sobre nordestinos e sulistas.
Sobre preconceito. Mas, cuidadosamente, políticos e jornalistas evitaram a
questão principal: o modelo de arrecadação e distribuição tributária. Este
modelo, implantado na ditadura, despeja nos cofres da União 70% das receitas e
nas costas dos estados e municípios 70% das despesas constitucionalmente
obrigatórias.
Essa repartição de receitas está na base da incapacidade das
prefeituras em resolver problemas, é o poço de onde os Estados tentam, em vão,
sair, responde pela brutal pobreza das populações das regiões não
industrializadas, torna o Norte cada vez mais periférico do Brasil. Os
municípios cada vez mais dependentes da boa ou má vontade do governante de
plantão. As populações penduradas na corda bamba da previdência e dos auxílios
federais.
Na outra ponta, o excesso de dinheiro na União cria
distorções terríveis. Eu penso nisso quando constato que Itaipu paga 22 mil
reais por mês para cada membro do seu Conselho de Administração, que se reúne
uma vez por semestre – e nós, nortistas, acabamos de receber um tarifaço na
energia. Quanto à corrupção, nem é preciso comentar. Os bilhões desviados
tornam incongruentes as denúncias formalizadas contra gestores municipais que merendaram alguns milhares de reais...
Agora se estabelece uma perfunctória discussão sobre reforma
política. Escreve-se sobre plebiscito e referendo, como se isto fosse
fundamental. Mas sem uma reforma tributária verdadeira qualquer reforma
política será um simples remendo em pano velho: mais buracos no tecido.
Buracos como os de bala que se alojaram nas vítimas da noite
de terror vivida em Belém. Eu não compreendo porque o que está evidente – Belém
está mergulhada na guerra suja do tráfico de drogas – não é dito. Talvez porque
não haja solução possível, a curto prazo, para resolver o problema, será?
A
defasagem entre o tráfico (que usa endereços ocultos na rede Tor, na internet,
para a venda de drogas, redes sociais e black-blocks
para espalhar o pânico), e o aparato policial, retido no tempo em que as rondas
motorizadas eram o máximo de eficiência possível, é tão brutal como a nossa
pobreza. E essa brutalidade transforma em banalidade o assassinato a sangue frio.
A mentalidade formada na ditadura recomendaria “o controle
das redes”. Mas o que resolve é a inteligência no uso delas. Usar a
inteligência demanda mais do que coletes à prova de balas e pistolas: envolve
acesso a tecnologias e, sobretudo, mudança de métodos e práticas, a qual não
acontece milagrosamente nem por acaso. É fruto de um esforço complexo em que a
renda média da população tem papel importante: é preciso ter esperança no
futuro para dar valor à vida, arriscá-la menos. Sair da máxima pobreza com um
só salto, mesmo que se corra o risco de levar um tiro mortal nesse salto, é
tentação forte demais para quem não tem perspectivas, mas tem coragem.
Devolver a renda dos estados e municípios, usurpada na
ditadura, é também devolver essa esperança e permitir a inteligência.
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