Metade da população brasileira faz parte da classe média
(renda individual mensal de 320 a 1.120
reais). Esta informação é do Data Popular e foi divulgada pela revista “Exame”
em meados do ano passado. A Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE apresenta
resultado semelhante: metade das famílias brasileiras tem renda entre 2 e 10
salários mínimos por mês
.
Acostumados à fácil dicotomia ricos x pobres, muitos não
conseguem vê-la. Alguns intelectuais chegam a desprezá-la (uma vez, Marilena
Chauí desmereceu sua biografia ao chamar essa categoria de medíocre). Essa
classe média é tanto urbana como rural. Ela inclui o pequeno empresário
agrícola, o caminhoneiro autônomo, a esmagadora maioria de profissionais
liberais, o micro e o pequeno empresários, os assalariados com nível médio ou superior
e uma quantidade enorme de trabalhadores autônomos.
Ela não gosta de confusão. Trabalha duro, não entende nem
gosta de se meter em política e paga tudo de que se serve: hospital, escola,
serviços profissionais, empregados, alimentos, lazer, água, energia,
estacionamento, casa e todas as compras, além das tarifas de bancos e cartão de
crédito. E paga impostos, muitos impostos. Para ela não há isenção de IPTU, nem
de imposto de renda, nem facilidades outras. Ela está acostumada a pagar e a
cobrar.
E ela é emergente: foi só depois da estabilização da moeda
que ela conseguiu se firmar e fazer o que todo cidadão de classe média, no
mundo todo, faz: planos de médio e longo prazos, impossíveis quando a inflação
anda alta. A partir do real ela se consolidou, cresceu, e agora abrange 54% da
população.
Foi essa nova classe média que foi para as ruas, ontem. Os
manifestantes se reconheciam, pela primeira vez na história do Brasil, como classe:
havia alegria entre eles. Sua reinvindicação central, me parece, foi recuperar a
dignidade de ser brasileiro. Por isso, o ponto de união foi o Hino Nacional, o
verde-amarelo, a bandeira. A dignidade é
importante para a classe média: seus integrantes se sacrificam para ter uma
aparência limpa e bonita, para manter as contas em dia, para não se envolver
com polícia, para resgatar as dívidas e para não receber esmolas.
A classe média se sente lesada, assustada e envergonhada.
Ela concordou com as políticas sociais, mesmo sabendo que financiava boa parte
delas; ela concordou com as políticas de quotas, concordou com as bolsas variadas
e diversas. Mas, volto a dizer: ela também está acostumada a cobrar. E, se paga
alguma coisa para uma certa finalidade, é para essa finalidade que o dinheiro
tem que ir. Então, pagar para que o dinheiro flua para outros destinos não é
com ela: a corrupção lhe dói no bolso como se fosse um assalto direto.
Ela também está assustada com a possibilidade de descontrole
inflacionário. Ela sabe – todos sabemos – que aumentar insumos, como energia,
combustível e salários, forçosamente refletirá nos custos inflacionários. Que o
aumento do dólar não significa apenas custos mais altos em viagens, mas, e
sobretudo, num país que importa ou paga royalties por quase tudo o que usa para
mover suas máquinas, custos de produção mais altos, que refletirão no custo de
vida. A classe média é medianamente instruída e informada. Ela sabe o que move
a economia.
E se sente envergonhada pela escala de corrupção,
institucionalizada (como disse um dos delatores do petróleo), que se instalou
no país. Os gritos de “Fora, Dilma”, mais que tudo refletem essa vergonha, e
resultam da incapacidade da presidente de deixar de manobrar para acobertar os
ladrões.
Muitos articulistas têm insistido, na mal alinhavada defesa
do governo Dilma, que ela está pagando o preço de um compromisso com os pobres,
que é por defender os pobres contra os ricos que está sendo questionada; ou
que, como eu li ontem, foi o Brasil bem cuidado que foi para a rua; ou ainda,
como disse o infeliz ministro da Justiça, com temor refletido nos olhos, são os
que não votaram na presidente que a estão criticando. Fariam melhor se encarassem
de frente a verdade: que o Brasil tem uma poderosa classe média que não quer
ser mais sangrada para beneficiar ladrões; que essa classe média não é contra
políticas sociais, mas é contra a distorção dessas políticas, sua transformação
em garrotes eleitoreiros; que não é contra pagar impostos, mas quer esses
impostos usados corretamente. E que essa classe média é a metade dos cidadãos do país.
O Brasil mudou, companheiros.
E não será o governo propondo plebiscitos ou hipotéticos
pacotes contra a corrupção que vai conseguir sair da armadilha em que se meteu
com uma campanha mentirosa e ilusória. Até porque as manifestações da
sexta-feira, 13, mostraram claramente a solidão social do PT. Vai ter que
engolir a arrogância e negociar uma agenda concreta, clara, que precisa começar
com uma reforma tributária que aumente a capacidade de governo dos Estados e
Municípios, sem a qual não haverá reforma política que dê certo.
4 comentários:
Parabéns pelo artigo, Ana. Bem escrito e bem posto. Um abraço, Lúcio Flávio Pinto
Obrigada, Lúcio
Parabéns pela forma clara com que trata o assunto, realmente o povo brasileiro está saturado de tantos escândalos de corrupção e ainda não sabemos nada da caixa preta do BNDES, das Hidroelétricas, o pior de tudo é a institucionalização do desvio do dinheiro público, com a participação ativa dos altos escalões das empresas públicas e das empreiteiras.
Você enfiou seu texto, perfeito, na ferida aberta de nosso país. Eu sou classe média e é assim que me sinto: roubada!!! Um abraço.
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