Supreendeu-me ver, entre os muitos e variados vídeos e fotografias
das manifestações do dia 15 de março, um estandarte azul. Estandartes são
símbolos antigos; quem o usa, é tradicionalista e ultraconservador. Ou seja, é
de extrema direita.
Na mesma manifestação, em outro local, foi preso um grupo
autodenominado de “carecas do subúrbio”. Neonazistas... negros?! Este episódio
me surpreendeu mais ainda. Menos pelo paradoxo (Perdoa-os, pai, eles não sabem
o que fazem!), afinal, o nazismo é eugênico, e porque não pode ser negro?, que
pelo subúrbio, pela presença em redutos reivindicados pela esquerda.
Ora, a extrema direita parecia ter sumido do cenário
político brasileiro. Mesmo assim, eu não deveria estar surpresa, porque nos
últimos anos tem havido indícios claros, cada vez mais frequentes, de um
ressurgimento: algumas prisões de “carecas”, depois de atos violentos; os
atentados contra mendigos, índios, meninos de rua; conteúdos cada vez mais
ousados em blogues; disseminação de terrorismo virtual. E, nas últimas
eleições, a votação recebida pela assim chamada “bancada da bala” apresentou um
poder de fogo razoável. Aliás, segundo os analistas, o resultado da eleição
parlamentar apontou um rumo de centro-direita para o país.
Mas uma coisa é a direita moderada, liberal, dos ACM e dos
Mainardi, e outra coisa é o fundamentalismo extremista que caracteriza essa
direita ultraconservadora. Ela é sempre violenta, intolerante, incapaz de
diálogo. Guerra é uma palavra que anda sempre presente em suas conversas. Se
pudesse, teria escravos... e às vezes tem, que o diga a Polícia Federal que,
volta e meia, liberta pessoas reduzidas a condição semelhante à do escravo.
O fato de sentir-se segura o bastante para mostrar a cara,
apresentar de público estandartes e desafios, reivindicar claramente um golpe
de estado, demonstra que não está sendo tão repulsiva assim para muita gente.
Está conseguindo seduzir.
Qual é a sedução da ultradireita?
A solução pela força. A ordem unida, um-dois, um-dois. A
criação de uma zona de conforto, sem inquietações, porque sem críticas. A
abdicação das decisões e, portanto, uma falsa ideia de inocência. A supervalorização
do “nós” em relação a todos os outros “eles”.
A extrema direita sempre se fortalece quando há fraqueza
institucional. Sempre.
Ela recrudesce os discursos quando há instabilidade. Ela
oferece o lenitivo da violência: elimine a oposição e a crítica e você terá
paz.
Ela se baseia no discurso da superioridade e do egoísmo: não
queremos imigrantes por aqui; não queremos concorrência; não queremos
contradições. Não balance o barco.
Ela é mortal. Ela mata o que atrapalha e, muitas vezes, quem
não pode se defender.
Mas ela não pode ser ignorada. Também não pode ser superdimensionada
(ela era minoria, bem minoria, nas manifestações). Tem que ter voz, para que
seja forçada a agir às claras. Tem que ser medida e acompanhada.
Para contê-la nos limites que lhe proporciona a democracia é
preciso não alimentá-la. E, infelizmente, depois do que aconteceu no dia 15,
Brasília está lhe dando filés.
Primeiro, a presidente vai à tevê com uma atitude mais ou
menos assim: Eu sou humilde. Estou dizendo que sou humilde. Vai encarar?
Ela relembra sua luta contra a ditadura e presta homenagem
aos que morreram. Ela pode chorá-los, mas não os respeita: se respeitasse, não
permitiria que ladrões se apropriassem do país reconstruído. Se respeitasse,
demitiria os fichas sujas de seu ministério, antes de pedir ao Congresso que
vote uma lei para isso; afastaria de seu convívio pessoas suspeitas. Se
respeitasse, não permitiria as ameaças sobre a Petrobrás, nem mentiria na
campanha. Se respeitasse, não teria um projeto de poder, mas um projeto de
Brasil. Porque era este o projeto daqueles que morreram.
Segundo, o Congresso Nacional propõe um remendo político que
chama de reforma. E põe mais dinheiro nos partidos, triplica o fundo partidário
num ano em que é preciso reduzir, não aumentar, o gasto público. Pôs nos
partidos o que foi cortado nos investimentos indispensáveis. Quer fazer uma
maquiagem num sistema eleitoral ruim, posto sob suspeita nas últimas três
eleições. Quer fazer prédios anexos quando faltam estradas. Nenhuma discussão
sobre o fundamental: as prefeituras completamente falidas, situação de que nem
São Paulo escapa.
Terceiro, o Supremo Tribunal Federal começa um jogo de cena
no petrolão. Acende o forno para a pizza. O país inteiro suspeita de Teori
Zavaski, mas não interessa: é esse
mesmo que vai por a mão na massa.
O cidadão olha para Brasília e não vê saída alguma; ele
baixa os olhos para a rua onde está e enxerga o assaltante parado na esquina,
só esperando ele passar. Sua exasperação é exatamente o que a extrema direita
quer.
Então não há porque se espantar se negros, beneficiados com
a política de cotas (que eu, aliás, apoio integralmente) se apresentam como
neonazistas. Eles não são uns coitadinhos. Eles, como qualquer outro cidadão,
querem respeito e respostas.
Que ninguém se espante, também, se esta crise se tornar mais
aguda, com cada vez mais frequentes apelos a um governo de força. Mas é preciso
resistir a essa sedução. É preciso ver os gulags que estão por detrás, os
efeitos da censura pelo tempo afora. É preciso ter sempre consciência que, para
quem ouviu o canto da sereia vem a morte cruel pelo afogamento.
E é preciso cobrar dos três poderes mais vergonha na cara.
3 comentários:
Ana
Parabéns pelo excelente artigo. Permito-me somente fazer alguns comentários sobre o que você escreveu sobre a ultra-direita conservadora.De fato, concordo com você que ela existe.Porém ela ressurge em conflitos sociais quando a ultra-esquerda conservadora , também, quer ditar as regras para se abocanhar do poder. Os exemplos mais gritantes são os do Partido que está no poder atualmente pregar a máxima ¨NÓS ¨ contra ¨ELES ¨; quando de forma eleitoreira e demagógica proclama que a politica do governo é para atender os menos favorecidos, esquecendo que é a classe média é o motor do crescimento deste país com o pagamento de seus impostos como você bem colocou em seu último artigo; quando o ex-presidente da republica prega a guerra civil vomitando palavras de ordem para o ¨exército do Stedile ¨esquecendo que, atualmente, só existe um Exercito: o Exército Brasileiro, fiel escudeiro dessa tênue democracia existente no país.Eu poderia colocar outros exemplos mas permito-me colocar somente esses para não me alongar mais.
Um grande abraço e parabéns por seus excelentes artigos que retratam muito bem o quadro politico social do Brasil atual.
Ney Galdino dos Anjos
Mais um legado tenebroso deste governo do PT: os extremos.
Chama um exército paramilitar e depois de reacionário quem quer o outro, o único exército, o que desperta a confiança.
Se é contra, então tasca-lhe uma pecha e ponto final. Sem debate.
E a verdade é que o Brasil não quer se transformar num Narco Estado ou país apoiador do terrorismo.
Narcosul, ou Unasul como queira, como disse Mario Varhas Llosa é um grupo de apoio mútuo para defesa de ditaduras.
Quem aguenta mais MST/Farc depredando, invadindo, ameaçando?
Rui Falcão sempre a postos a instituir censura (agora é econômica)?
O PT seguindo a máxima comuna de fortalecimento do partido e destruindo o Brasil???
As panelas gritam: 'Nao! Não acreditamos em mais nada do que você diz. Não estamos mais dispostos a lhe ouvir!"
Obrigada, Ana. Um abraço saudoso.
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