Acabo de ler uma recente decisão proferida no Superior
Tribunal de Justiça distinguindo a categoria “namoro qualificado” daquela
denominada “união estável”. É parte, creio, da profunda transformação que a
família, enquanto unidade social, está passando, o que envolve, também,
diversas categorias de relacionamento a dois.
Recentemente soube de um par, gay, por sinal, com um
relacionamento de tapas e beijos de dez ou doze anos. Um deles adoeceu
gravemente - não era de Aids, diga-se – e
mandou o parceiro ir atrás de alguma pensão, herança, qualquer coisa que o
deixasse menos inseguro na pobreza deles. O parceiro ouviu do advogado que não
haveria nada para ele, a menos que casasse: dadas as características do
relacionamento, com cada qual levando a sua vida, eles seria considerados
apenas ficantes. Ficantes de dez anos, mas ficantes: os tapas interrompendo os
beijos não permitiriam sequer que fossem considerados namorados. E até o
casamento poderia ser contestado: a gravidade do estado de saúde do parceiro
poderia lançar suspeitas sobre a liberdade de sua vontade.
O ficante antecipa o namorado; pelo menos é isso que eu
encontro num “Guia para transformar ficante em namorado”, cheio de dicas: como
introduzir o ficante paulatinamente na sua vida, e como se introduzir na vida
dele; não se falsificar, porque os homens não gostam de comprar gato por lebre;
manter-se calma, controlando a ansiedade – e por aí afora. E antes da ficação
tem a curtição – nome novo para o antigo flerte, aquele arrastar de asa para a
figura querida, cheio de encontros deliberadamente casuais e de olhares
lânguidos.
Ficantes fazem sexo, mas vão e vêm, cada qual seguindo a sua
vida. E depois temos os namorados. Na definição do STJ, namorados são os que fazem
planos.
Namorados podem ser simples, andar juntos o bastante para
fazer a célebre pergunta: no seu apartamento ou no meu? – isso, se tiverem
apartamento; caso contrário, rola motel, mesmo. E podem ser qualificados, caso
em que podem até viver juntos, morar na mesma casa, dormir na mesma cama.
Namorados qualificados, para o STJ, mantém um espaço próprio, independente do
parceiro, e pensam no futuro, até o planejam. Mas não efetivam a unidade
familiar: não estão juntos para o que der e vier, mas só para o que der; o vier
é outra conversa, depende de como venha. Pode acontecer de ficarem nessa
durante muito tempo, até a vida toda. Namorados, mesmo qualificados, não têm
direitos sobre os bens do parceiro: este é o preço da liberdade individual
mantida.
A próxima categoria é a do companheiro ou convivente: duas pessoas moram
juntas e compartilham tudo. Não interessa sexo – nem quanto ao gênero de cada
uma delas, nem mesmo se o fazem. O sexo, antes condição fundamental para a
constituição da família, passou a ser secundário. Interessa é se cuidam um do
outro, se têm conta conjunta, se decidem juntos o uso do dinheiro, a gerência
da unidade familiar: é a união estável. O convivente (esta palavra horrível substitui a beleza de
“amante”, que é como o povo chama quem mora junto sem casar) já é quase casado.
Mas, para se transformar em cônjuge
(outra palavra horrível) ou esposo (como chama o povo, com mais beleza e bom
senso), é preciso passar o papel, fazer o contrato, dizer sim para o juiz.
E é aqui que a jurupoca pia: depois deste longo percurso
entre o trinado do sabiá procurando a companheira e o papel passado diante do
juiz, às vezes vem um cansaço danado. O contrato de casamento, que remove a
precariedade da relação, muitas vezes acaba gerando um sentimento de
propriedade: minha mulher, meu marido. Vai daí que, como o que já se tem
raramente parece suficiente, a tentação de pular a cerca vem com a idade e com
o tempo de convivência. De vez em quando, o Romeu vira Casanova.
Nossa época transformou o singelo amor entre duas pessoas
num labirinto em que nem sempre o apaixonado consegue se localizar. E eu nem
falei aqui dos relacionamentos ditos abertos, da troca entre casais e dos
triângulos que podem se transformar em quadriláteros ou polígonos amorosos. Ou
da má fé, que cria atalhos e transforma o certo no incerto. E nem das
sequências temporais desses novos relacionamentos.
Um dia destes assisti a este diálogo:
Ele: Quem é essa pessoa?
A mulher: Ela é filha do meu ex-marido.
Ele: Sua enteada?
A mulher: Bem...
Ele: Ela morava com você?
A mulher: N...não, nunca morou comigo.
Ele: Então não é sua enteada.
Captaram?
2 comentários:
Que barafunda! ... mas obrigado pela aula de novas palavras e significados da lingua portuguesa. Confesso que ainda nao conhecia a palavra 'convivente' nessa modalide que parece nao ter cheiro, nem sabor. Eu prefiro ser, ter e conviver com os/as amantes, tao mais prazerosa(o)s. - E.
Moro é o melhor de todo esse governo atual. E essa verdade é clara e límpida, como a luz do Sol em um dia de verão, ao meio-dia de um céu límpido. E tem histórico ROBUSTO. Enquanto o PT é brega, barango, cafona, Ersatz, picareta, vigarista e Kitsch: nada disso, típico do PT, que o Sr. Sérgio MORO nunca o é ou será.
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