Desculpe-me o leitor a ausência, mas adoeci. E tudo o que escrevi nas
últimas duas semanas refletiu isso – crônicas rabugentas, impublicáveis. Foi
gripe, claro: o Ministério da Saúde ainda não conseguiu entender que o Brasil é
plural, e manda vacinas para cá sempre depois
do surto viral que bota meia Belém mergulhada em tosses e espirros.
Claro também que eu não vou tomar essa vacina, que é da
gripe passada. E como eu, muitas pessoas, embora depois as autoridades achem
que é mera resistência à vacina...
De certa forma, têm razão: paraenses têm uma longa tradição
de resistência civil. A maioria de nós sabe que discutir com os iluminados é
dar murro em ponta de faca. Então não se discute – simplesmente, não se faz. O
calor úmido também favorece a inércia. E quem quiser tirar a pedra do caminho,
que sue.
Mas hoje eu quero escrever sobre algumas novidades que estão
chegando por aqui, embora com o atraso de sempre. No primeiro caso, quatro
meses de atraso: Tony Blair publicou o seu artigo no NY Times em novembro. Is democracy dead?, pergunta ele
titulando algumas laudas instigantes. No artigo, ele alinha constatações que
levam a uma tendência mundial por governos autoritários, para arriscar uma
explicação: há que ter eficiência, resultados objetivos das políticas
instituídas ou as pessoas vão buscar outros meios para consegui-los.
O segundo caso é mais recente. Exasperada, uma deputada do
PT acertou na mosca ao caracterizar o apoio a Eduardo Cunha de “bancada BBB”:
Bíblia, boi e bala. O ponto comum desse BBB é justamente o autoritarismo, a
força. Por Bíblia, aí, entenda-se não O Livro, mas a cartilha que saiu dele
para formar um eleitorado de cabresto, cumpridor de ordens, fechado em dogmas e
comportamentos padronizados. O boi representa o mundo rural do grande negócio.
E a bala, todo mundo sabe o que é que é.
“É tempo de debater como melhorar a democracia, como
modernizá-la”, escreve Blair, para comentar que não basta um governo correto: a
decepção das pessoas se funda na falta de mudança em suas vidas. “O simples
direito de voto não é suficiente”, acrescenta. “O sistema precisa gerar
resultados para o povo”.
Ora, se os brasileiros elegeram uma poderosa bancada BBB,
isto parece sinalizar que estão procurando o autoritarismo. É verdade que há
sempre uma margem de fraude nas eleições brasileiras, e, também, que a
circunstância eleitoral é localizada demais para apontar caminhos seguros.
Mesmo assim, há muitos indícios de uma tendência pelo que Blair caracteriza
como “a tomada de decisão eficaz por meio da liderança forte”: o descrédito do
Congresso, a banalização da violência, o desrespeito continuado a toda e
qualquer autoridade, o uso de fardas nos parlamentos, os protestos por qualquer
motivo interditando ruas e rodovias, prejudicando milhares de pessoas, a recusa
do cumprimento de ordens judiciais...
E há, sobretudo, a
corrupção disseminada e descontrolada. A soltura precoce dos condenados. Fichas
sujas em cargos ministeriais.
Estaremos nós procurando um novo salvador da pátria ou
simplesmente matando a democracia?
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