segunda-feira, 21 de maio de 2007

Ladrões & ladrões

Há alguns anos o deputado Jáder Barbalho foi preso, com grande estardalhaço, algemado e acusado de ser um ladrão.
O deputado Jáder Barbalho é hoje conselheiro do Presidente da República, que chegou a beijá-lo no alto de um palanque eleitoral.
Há gente que abomina o deputado e há gente que vota nele.
Dessa contradição, independentemente do ser-ou-não-ser do deputado, há pelo menos duas reflexões a fazer, uma teórica e outra, prática.
Vou fazer a primeira nesta crônica, e deixar a segunda para a próxima.
A primeira reflexão diz respeito a uma mudança de um dos componentes do sistema de valores éticos em que se move a sociedade. Esta mudança diz respeito à honra pessoal. Nitidamente, ela deixou de ser importante como elemento de prestígio social, respeito e até mesmo exercício de poder. A honra pessoal, numa definição simplista mais eficiente, consiste no exercício dinâmico da integridade – a fidelidade a princípios, expressos ou não em leis, que asseguram o respeito aos direitos das outras pessoas – e a percepção social desta integridade. Ela está sendo relegada a segundo plano por outro componente do sistema social: a capacidade de realizar, de alcançar metas, de obter resultados, seja em que campo for.
O caso do deputado relaciona-se a milhares de ocorrências, muitas delas bem longe da política partidária, ou do exercício do poder republicano, mas que têm o mesmo motor: obter um resultado determinado, apelando para o subterfúgio, seja ele ilegal ou não. Não importa que todos o percebam, desde que o enganado – seja uma instituição, seja uma pessoa – não tenha como saber ou como reagir.
Isso é consubstanciado numa frase clássica: os meios justificam os fins.
Ou, à brasileira, na cultura da esperteza.
Mas os meios não justificam os fins: mesmo na guerra, que é a situação social mais dramática e onde os resultados imediatos são imprescindíveis, há limite para os meios a serem empregados, e a convenção de Genebra, pelo simples fato de existir, demonstra isso; e o resultado da cultura da esperteza é uma brutal precariedade na garantia de todos os direitos, situação, aliás, que a sociedade brasileira vive hoje em todos os setores de vida.
Então alguém vai dizer: é uma crise de valores. É, de fato, mas a palavra “crise” não significa “pior”. Crise quer dizer mudança drástica. Em algum momento os espertos precisarão de menos precariedade, e os meios terão que ser controlados, ou teremos terroristas por toda parte.
E existem milhões de pessoas íntegras, para quem a honra, enquanto percepção, pela sociedade, dessa integridade, é o reflexo de uma conduta em que as contas são primeiro prestadas a si mesmo. Essas pessoas, que se recusam a cultivar a esperteza e, nas suas decisões, pesam tanto o resultado como a forma de fazer, são extremamente importantes no contraponto da crise: elas só precisam de saber que não são solitárias e que sua firmeza é que impede o caos, criando limites claros de opinião pública na percepção da sociedade.
Mesmo que a desonra more o planalto central.

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