segunda-feira, 21 de maio de 2007

Questão de competência

Disse, na última crônica, que a contradição que cerca a situação do deputado Jáder Barbalho merecia duas reflexões, uma delas prática, que é a que eu vou abordar agora. Trata-se da qualidade da investigação.
Uma das boas coisas do direito penal brasileiro, lei e doutrina vigentes, é a cautela quanto à prisão. O princípio é que deve ser preso quem for condenado. Antes disso, só em caso de flagrante ou preventivamente, quando o acusado oferece risco para terceiros ou para a investigação.
Ou seja: nos casos em que não há flagrante; quando o acusado não ameaça ninguém; e nem sua liberdade obstrui a investigação, a prisão só deve ser realizada com a condenação.
Este dispositivo exige que a investigação feita em torno do acusado seja competente, de forma a coletar provas e estabelecer de forma clara que houve delito e foi o acusado, e não outro, quem o cometeu. Para isso existem os mandados de busca e apreensão, as diligências, as tomadas de depoimento.
No entanto, da mesma forma como aconteceu com o deputado Jáder Barbalho, temos visto, nos últimos tempos, multiplicarem-se as prisões preventivas escandalosas, ou seja: prisões feitas somente com indícios, ou a partir de investigações mal feitas e provas frágeis, mal coletadas e, até, para tomada de depoimentos. Pessoas públicas, com ou sem reputação duvidosa, são expostas, em condições vexatórias, por um ou dois dias e, depois, soltas, sem que se termine o processo, sem que haja julgamento e sem, muitas vezes, qualquer satisfação para a sociedade.
Essas prisões rendem noticiário, mas são uma cortina de fumaça para a realidade da incompetência da investigação. E o resultado delas é tão somente um enfraquecimento cada vez maior do Judiciário, do aparelho policial, da confiança dos cidadãos na capacidade social de punir-se o crime. Há quem acredite que dois dias de execração pública para alguém que se mostrava acima da lei justificam tudo. Mas esse argumento é tolo e perigoso.
Tolo porque, se constatada a veracidade da acusação, dois dias de execração pública são punição muito pequena, desproporcional ao delito. Perigoso porque esse argumento, de forma nem muito sutil, mas eficiente, fortalece a prepotência e a arbitrariedade. E se aceitarmos que membros da polícia e do judiciário “forcem” a lei para conseguir essas prisões, estaremos aceitando a investigação mal feita, não só no caso do deputado, mas em todos os casos; estaremos tirando os freios das pessoas que detém o poder de prender e julgar, e deixando que elas usem apenas o seu arbítrio para isso – permitindo justiceiros onde deveria haver agentes da lei.
Esse é um dos caminhos que desembocam no mar de violência em que estamos mergulhados. A incompetência de investigar, de organizar provas que não permitam dúvidas, de formalizar corretamente os processos e oferecer a acusação completa, acaba permitindo o adiamento indefinido do julgamento e, com isso, a impunidade aparente. E é esta que permite que uns e outros desafiem abertamente a sociedade e substituam a honra pelos resultados, mesmo que fraudulentos.

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