quarta-feira, 9 de julho de 2008

Dantas, Nahas e nós

Nada contra um sujeito que sai do nada para ser milionário, construindo sua fortuna na regra da lei.


Nada conta um sujeito que manobra finanças como o Lars Grael manobra o seu barco – se ele está na regra da lei.


Mas é vexante que o cidadão de classe média pague, depois dos abatimentos, 24% de imposto de renda cobrado sobre o salário – que é remuneração de trabalho, e não ganho adicional, e Dantas e Nahas não paguem nem um décimo disso. Não pagam. Dez para o Silvio Santos, o maior contribuinte individual do imposto de renda no Brasil. Silvio não discute. Paga. Chegou à conclusão que é melhor para ele e para todos. É tão milionário como Dantas. E Silvio é argentino...


Eike Batista é financista como Nahas, e mais rico que este. E também paga. Seu primeiro bilhão teve mais 24%, correspondente à gorda fatia do Tesouro. Pode-se dizer que Eike é um filhote dos tempos da ditadura, em que os grandes negócios eram fechados às escuras. Há dezenas de filhos d’algo iguais a ele por aí – mas só ele conseguiu ser bilionário. E pagando imposto, normal, igual a nós.


Dantas e Nahas cospem na nossa cara. Dantas embarcou na canoa petista desde o início; era o homem que “resolvia as coisas”, fazia aparecer o dinheiro eleitoral. A corrupção de Nahas vem de mais longe, é fruto direto da inflação descontrolada, quando as pessoas convertiam cruzeiros e cruzados em dólar para tentar manter o valor do seu dinheiro. Nahas arranjava os dólares, no mercado negro que todos toleravam porque todos usavam, inclusive as autoridades. De onde vinham? De vez em quando um brasileiro se encrencava nos EUA com os dólares do Nahas... Mas dentro do Brasil eles resolviam, e ponto. Ele é, portanto, um desses seres cinzentos, que servem de ponte entre o legal e o ilegal, no gueto entre a lei e a realidade. Muito houve como ele, que, estabilizada a economia, pegaram seus ganhos e abriram financeiras, empresas de turismo, capitalizaram as relações que haviam construído com os dólares em negócios legais. Nahas manteve-se à margem, e, agora, a tolerância acabou para ele.


Dantas e Nahas são produtos da violenta distorção provocada pela concentração de renda no país, pela discrepância entre as leis e os costumes, pelo cipoal burocrático que envolve os processos judiciais, que evita soluções simples e diretas, e exige quatro, cinco anos, de investigação para que se consiga blindar como prova o que todo mundo sabe há muito tempo. Sua atuação reforça as distorções e discrepâncias. Beneficiam-se do cipoal, e, cada vez mais ricos, nos vêem como uns fracassados, só porque não colocamos o dinheiro como o foco principal de nossas vidas.


Mas Dantas e Nahas são também aquelas pessoas cujo dinheiro move a máquina do crime – e não estou falando de crime de colarinho branco, sofisticado e de computador. Estou falando é do garoto executado pela polícia no Rio de Janeiro, dos rapazes mortos pelo tráfico. Pois afinal, de onde vêm os dólares do mercado negro, a praia de Nahas onde desagua o banco de Dantas? Esses dólares são ondas criminosas que vão e vem, deixando os lucros na praia. Eles vêm da arma clandestina, do crack, dos assassinatos de encomenda, do preço, enfim, da violência, que leva boa parte dos 24% que descontamos de nossos salários. Seus piores crimes não são os elencados no processo: são a geração de mais violência, de mais tráfico, de mais crimes.


E nós – nós, pagamos.

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