Um quarto da população mundial começa os jejuns do Ramadã, o
Brasil inaugura o tempo da política com as convenções partidárias para a
escolha de candidatos e quem quer saber disso? Festeiro como sempre, o Brasil
arruma uma porção de meios feriados ou até feriados inteiros para assistir
futebol. Quer dizer, assistir, assistir mesmo, só uma parte. A maioria se
diverte e uma minoria ganha dinheiro. Inclua-se nessa minoria uns bons milhões
de pessoas que aproveitam a festa dos outros para engordar seus orçamentos com
horas extras, vendas de comidas e bebidas, gorjetas, corridas de táxis,
participação em shows e outros.
Não há razão alguma para tanto, mas, novamente, quem quer
saber disso? Blaise Pascal disse que o coração tem razões que a própria razão
desconhece, João Gilberto colocou isso em música e o futebol transforma a frase
em explicação. Razões? Não, paixões. Química especial na fisiologia humana. A
paixão não dá razões, mas sensações.
O balconista da padaria mais próxima olhou a tevê e disse
algo como: esses caras ganham milhões, eu é que não vou ficar assistindo. Isso
foi antes de começarem os jogos. Depois... bem, depois ele consegue juntar-se à
unanimidade contra o Fred.
Suárez fez um enorme sacrifício para chegar à copa. Depois mordeu
a própria corda. Despedaçou suas chances. Por quê? Como diz o anúncio, porque
sim. Descontrole emocional. Paixão. Esses caras que ganham milhões – ou nem
tanto, como é o caso da maioria deles – também perdem a cabeça de vez em
quando.
Políticos profissionais conseguem perceber facilmente o alcance
da paixão popular, quando o circo é importante e quando não é. Dilma aproveita
a paixão para consolidar metade do horário eleitoral gratuito na tevê. Obama
tira uma foto vendo o jogo (só a foto, acredito, porque para quem gosta de
basquete o futebol é muito chato) de olho nos eleitorados do sul dos Estados
Unidos. Angela Merkel visita os alemães, a família real inglesa manda um
representante para cumprir a agenda, a rainha da Bélgica se deixa fotografar
torcendo. Os presidentes de Gana e Nigéria arranjam um jeito de pagar as
dívidas com os jogadores (por lá, a corrupção no futebol é tanta que não dá
para acreditar em promessas de cartolas).
Fizeram o dever de casa, todos eles. Por quê? Multidões apaixonadas
podem deter uma guerra, Drogba provou isso na Costa do Marfim. Ou podem
conduzir a uma guerra – e, neste aspecto, cada país europeu tem sua história
para contar. Não dá para ignorar, nem para brincar, com a paixão.
Mas dá para fazer negócio. Arriscado, é verdade: a Espanha
transformou em dinheiro a derrota e calcula em 600 milhões os euros que deixou
de ganhar com a desclassificação. Mas, se der certo, os resultados serão
melhores que a média, tanto para o encartolado da Fifa como para o vendedor de
cachorro quente. É como operar a bolsa de valores. A pessoa pode ir, passo a
passo, comprando e vendendo papéis seguros e ganhando pouco. Ou pode arriscar e
ganhar muito ou perder tudo. Na bolsa, como no negócio do futebol, há um componente
de risco alto, essência de paixão: você pode preparar a festa e depois ter que
jogar tudo no lixo. Ou se divertir como nunca.
Sem razão, naturalmente. Puramente sensacional.
Um comentário:
No Estadão de sexta: Brasil é o país que mais consome Rivotril em todo o mundo.
Imagina se não tomasse?
kkkk
Postar um comentário