Como muita gente interessada, venho acompanhando de perto o
desenvolvimento do zap, e, a partir dele, das chamadas redes sociais,
geralmente saudadas como um grande instrumento renovador da comunicação. Para
mim, no entanto, é só um novo tipo de comunicação, com suas vantagens e
desvantagens. Está criando uma nova linguagem, quase criptográfica, em que os
símbolos e abreviaturas substituem boa parte das palavras. Não conseguiu ainda
vencer a divergência dos alfabetos, mas está caminhando para isso. É muito
rápida, mas...
... as pessoas em breve descobrirão o que todo profissional
de letras sabe: quem escreve como fala está sujeito a um bom número de
incompreensões. Isto porque a palavra oral é acompanhada de vários outros
sinais corporais que reforçam e explicam os conteúdos. Uma sobrancelha
levantada que acompanhe uma frase dá o tom da ironia, da mesma forma que um
sorriso abranda um dito mordaz. No visor eletrônico a intenção se perde: então
é preciso mais cuidado com o que se escreve do que com o que se diz.
... não há diálogo entre mensagens. Cada uma é unilateral:
você diz o que quer e lê se quiser. Ou interpreta como quiser o que recebe:
toda leitura é assim. Uma boa intenção mal redigida ou inoportuna pode ser
tomada como um insulto grave. E o insulto escrito sempre fica. É diferente da
oralidade, em que a pessoa pode se explicar ao perceber a reação do outro: na
mensagem, o outro está distante demais para explicações.
... o poder gerado pela velocidade e aglutinação das
conexões é ilusório: parece grande, mas é pequeno. Dizer, mandar mensagens, é
fácil: difícil é convencer. O convencimento só ocorre pelo diálogo, impossível
no zap. Ao reunir pessoas na rua para uma manifestação, a pessoa que organizou
vai descobrir que elas vão lá por motivos próprios, muitas vezes bem diferentes
na ideia original, apenas para, digamos assim, aproveitar a oportunidade da
multidão. Isto porque o zap é apenas uma conexão rápida de indivíduos, não é um
partido nem um movimento político.
... a informação é sempre superficial, limitada pelo próprio
meio usado. A mensagem só permite poucas palavras: então nada complexo pode ser
tratado nela. Não há discurso, há frases curtas, exclamações e só.
... o zap nas redes sociais funciona em ondas ou em marés:
uma informação circula em alta velocidade e se quebra na praia. O efeito desta
onda é passageiro e, ao terminar, deixa uma impressão – não uma mudança. Marés
sucessivas podem alterar alguma coisa no litoral depois de algum tempo. Mas não
mudam o litoral todo, senão depois de séculos agindo da mesma maneira.
... o zap se presta maravilhosamente para a intriga e para o
boato. Intriga e boato têm uma característica: são mais fáceis de fazer do que
de desfazer. No zap isto é mais difícil porque a impressão deixada pela onda
não é fácil de ser identificada.
... a intimidade na rede é falsa e, consequentemente, a
possível confiança entre integrantes também é. Isto porque a intimidade
pressupõe troca de contatos sensoriais: visão, audição, cheiro e, às vezes,
tato e gosto. Sem isso não se conhece de fato uma pessoa: pode-se conhecer apenas
o que ela diz. Muita gente está descobrindo isto da pior forma.
... a comunicação é fragmentada, porque o meio usado também
é. Assim, a rede é ótima para fixar posições, dar rápidas informações ou
respostas. É péssima para explicar essas mesmas posições. Em última análise, a
rede é limitada ao sim/não. O que é apenas o primeiro estágio da comunicação,
porque não há discurso nem raciocínio cabíveis nela. Quem ousar fazer isso
estará perdendo tempo e ganhando fama de chato.
Um comentário:
George Owel no seu famoso livros falava na chamada novilíngua que cabe muito bem quando nos referimos as novas formação de comunicação em redes. É verdade que ela é “um grande instrumento renovador da comunicação” e está criando, sim, uma nova linguagem. Mas é importante chamar atenção para um aspecto ressaltado pela Ana, quando se refere à velocidade e como é difícil convencer. Mas, quando vemos hoje um grande número de publicidade que a mídia divulga me pergunto até que ponto ela não “convence”. Claro, que ela não convence através argumentos lógicos, mas pelo bombardeio de mensagens que envia para o receptor que acaba, inconsciente, quer queira, ou não, a mercadoria fetichizada mobilizador de desejos. Não se trata de ter uma visão maniqueísta sobre essa forma de comunicação. A linguagem criptográfica é antiga, mas nessa novilíngua de hoje não pode ser compreendida somente como um fenômeno linguístico, mas dentro de um contexto maior. Não podemos negar, por exemplo, que há algo muito estranho na comunicação entre as pessoas. Se o convencimento só ocorre pelo diálogo, como reforça Ana, concordo perfeitamente com ela. No entanto, percebo que as pessoas cada vez mais dialogam menos. O diálogo crítico, nem se fala. A comunicação está, sim, não só cada vez mais superficial e a moda zap se manifesta em todos os recantos, como nas escolas, nas instituições e tantos outros lugares mais informais. Se a informação é sempre superficial e sujeita à mil interpretações (como dizia Saint Exupery no seu “Pequeno Principe”) imagine a comunicação eletrônica. O discurso complexo, que deveria se dá nas instâncias educativas e culturais está desaparecendo. Os alunos de hoje possuem um estoque de palavras reduzidíssimo, com frase curtas e desconexas. Sabe por quê? Porque estão saturados de imagens e, também, porque não leem mais. Passam horas e horas diante da telinha do computador, preocupados com as intrigas e boatos, numa “intimidade falsa”. A “comunicação é fragmentada” porque a sociedade está cada vez mais fragmentada. O discurso crítico, onde se dizia coisa com coisa, está em franco colapso na sociedade consumista e egoísta em que vivemos, onde o importante é “faturar”, “consumir” de forma hedonista. É isso que o capitalismo quer: formar indivíduos idiotizados nessa nova semiótica da barbárie liberal.
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