Os governos e
a Justiça estarão cumprindo os papéis que se espera deles: se punirem
exemplarmente os corruptos e os corruptores. (Discurso de posse da presidente
Dilma Roussef, 2015).
Temperamental e desbocado como era, D. Pedro I por
certo daria um soco na mesa, acompanhado de meia dúzia de palavrões, ao ouvir
esta frase, mais de 180 anos depois de ter falado do trono, para a Assembleia
Geral Legislativa, abrindo a sessão de 1827:
O governo necessita que esta Assembleia o
autorize, da forma como achar conveniente, para que possa estorvar a marcha dos
dilapidadores da Fazenda Pública, aos que não desempenharem bem os seus
empregos e aqueles que quiserem perturbar a ordem estabelecida por todos nós
jurada; já demitindo-os, já dando-lhes castigos correcionais. (Falla do Throno,
abertura de 1827 – Biblioteca do Senado. Atualizei a ortografia).
Nesse
discurso, um dos mais longos que fez, D. Pedro I ressaltou à Assembleia a urgência
da matéria: “um sistema de finanças bem organizado deverá
ser o vosso particular cuidado nesta sessão, pois o atual, como vereis do
relatório do ministro da Fazenda, não só é mau, mas é péssimo, e dá lugar a
toda qualidade de dilapidações. Um sistema de finanças, torno a dizer, que
ponha cobro, não digo a todos, mas à maior parte dos extravios, que existem, e
que as leis dão lugar a que existam e por isso o governo, por mais que
trabalhe, não pode evitar.”
Bem,
ele não conseguiu, assim, de primeira. Convocou mais duas sessões legislativas
ordinárias e duas extraordinárias, repisando a urgência e a necessidade de
arrumar as finanças públicas; não conseguiu nada. Finalmente, em 1830, deu o
soco na mesa: convocou uma sessão extraordinária com pauta específica para
discussão e foi assim que o Brasil teve sua primeira lei do orçamento.
Mas foi somente com D. Pedro II, em 1847, que o imperador pôde
anunciar orgulhosamente que as receitas e as despesas estavam equilibradas, graças
a “judiciosas medidas”, e que brevemente começaria a reduzir a dívida interna.
As judiciosas medidas começavam pela vida austera do imperador que disse uma
vez: “Também entendo que despesa inútil é furto a Nação”.
Quase
dois séculos se passaram desde Pedro I e novamente o chefe de Estado coloca no
futuro a punição dos corruptos e corruptores. A burocracia multiplicou-se, as
leis, também. A monarquia constitucional deu lugar à República, que alternou
períodos ditatoriais e eleitorais – e a corrupção continua lá, plantada,
florescente, imbatível, no dizer da presidente, envolvendo “todas as esferas de governo e todos os núcleos de poder, tanto no
ambiente público como no ambiente privado.”
Como
em todos os ambientes sociais existem núcleos de poder – poder familiar, poder
comunitário – de matizes e gradações diversas, vejo no discurso da presidente
uma generalidade inaceitável: somos cleptocratas, somos corruptos, todos!
Eu
não aceito essa generalidade porque não é isso o que eu vejo todos os dias. Eu
vejo todos os dias uma multidão que tenta viver honestamente, que trabalha duro
e que paga suas contas. E que é furtado na prestação de serviços de telefonia,
eletricidade, transporte público; nos juros excessivos, tarifas bancárias não
explicadas, produtos enganosos; tem seu tempo furtado nas imensas filas de
cadastramento (a última do ano foi na Caixa, para inscrição em programa
oficial) ou nas filas de espera para qualquer serviço público. Eu vejo uma
multidão que tenta manter seu nome limpo de dívidas e que está exasperada
porque finalmente consegue ver para que bolsos está fluindo toda essa
ladroagem.
Não,
presidente, não é de pacto que precisamos, é de rompimento: do rompimento de
seu governo com a corrupção que grassa à sua sombra. Não tente justificar isso
jogando a responsabilidade para a sociedade, para o povo, para nós. Comece a
senhora a luta: deixe de lotear ministérios alegando uma falsa governabilidade.
Só isso já bastaria para que a senhora pudesse anunciar, como D. Pedro II o fez
aos vinte anos de idade, o equilíbrio das receitas e despesas. Só isso já faria
o país acreditar que sim, é possível ultrapassar de vez a cultura dos extravios
que vem de tão longe.
É
a senhora quem precisa fazer um pacto com a res publica. Rompa com a
corrupção, presidente, e descobrirá que os brasileiros preferem ser honestos.
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