Eu saíra do colégio direto para a escadinha do cais. Cursava
então o ensino médio e nem me apercebia que o berrante uniforme do Santa Rosa (pus
e sangue, era como as garotas do Gentil qualificavam) chamava muita atenção. Caía a noite e do alto falante a música veio, para ficar para sempre gravada em
minha memória:
Ouro negro que jorra da terra
do Brasil a grandeza serás
pelo valor da riqueza que encerras
Petrobrás, Petrobrás, Petrobrás!
Adivinharam, era um comício em defesa da Petrobrás. Eram os
anos 1960, o país fervia. Eu fora ali sem licença e correndo risco, se alguém
me denunciasse no colégio: as freiras eram muito rigorosas sobre o que as
alunas faziam quando de uniforme. Ouvi outra música (A Petrobrás foi a nossa
vitória, nossa primeira vitória!), vi as bandeiras vermelhas dos comunistas e
nem me apercebi que o comício era deles. Eu sabia o que era a Petrobrás e
Monteiro Lobato, n’O Sítio do Picapau Amarelo me ensinara o valor do petróleo.
Mas nada além disso.
Eu saí logo, a noite apenas começara, mas a desculpa que
dera em casa para chegar um pouco mais tarde tinha prazo para vencer. O comício
terminou em pancadaria, como muitos daquele tempo, entre o pessoal do
Sindipetro e o CCC - Comando de Caça aos Comunistas, uma organização civil de
ultradireita. A polícia separou a briga, prendeu uns e outros, soltou os uns
porque Jango ainda estava no poder e os outros porque eram filhos d’algo. A
Petrobrás ficou indelevelmente ligada na minha memória a uma profunda emoção em
que se misturam o civismo e a magia do crepúsculo.
Agora eu vejo a Petrobrás num outro crepúsculo, este, sem
beleza alguma. Nestas sombras se sobrepõem aos rostos corruptos as caras
quebradas e ensanguentadas dos que apanharam na rua para constituí-la e
mantê-la. Ela está sendo liquidada: em 2008 valia 510 bilhões de dólares; hoje,
vale 200 bilhões e valerá cada vez menos se continuar com a administração
desastrosa que tem. O caso da refinaria de Pasadena – uma compra superfaturada
que torna ridículas as multas aplicadas a gestores municipais pelos Tribunais
de Contas por causa de dois ou três mil reais não corretamente justificados – é
só a ponta de um edifício de corrupção. A ele se soma o calote do governo (que
obriga a estatal a vender combustível com prejuízo, sem subsidiar a diferença)
e um aparelhamento partidário da gestão. A Petrobrás está mal, num processo
descendente, crepuscular.
Estamos meio século distantes daquele comício na escadinha
do cais, o país mudou, a sociedade mudou e o papel que a Petrobrás deve
desempenhar mudou. Ainda se apela para a emoção ao falar da empresa (é só
analisar os anúncios da tevê) mas ela é agora uma gigante mundial do petróleo.
E é assim que deve ser administrada, não como uma simples ferramenta
antinflacionária. Se o governo quer manter o preço dos combustíveis baixo,
pague. Não desvalorize uma das maiores empresas do mundo. Não desperdice o
patrimônio construído com muito esforço – e, literalmente, com sangue
derramado.
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