quarta-feira, 18 de julho de 2007

A crise aérea

É mesmo uma crise? Ou é apenas a revelação de uma situação que vem amadurecendo há cinco anos, mercê das opções populistas de governo?

Doze horas depois do acidente um jornalista afirmava que se priorizara a reforma da estação dos passageiros em detrimento da revisão da pista de Congonhas. Afirmou-se muita coisa, nessas horas dramáticas em que o Brasil viu de perto um avião dentro de um prédio. A TAM afirmava continuamente preceitos legais para disfarçar o que é comum nas empresas aéreas: elas jamais sabem direito quem embarcou e quem ficou – o que, aliás, é um pedacinho apenas do tratamento-padrão dado aos passageiros.

Pergunte a algum passageiro idoso se alguma vez, só uma vez, alguém da tripulação pegou a valise de mão para acomodar nos depósitos superiores aos bancos. Pergunte aos médicos que viajam habitualmente se alguma vez alguém passou mal e havia, a bordo, medicamento disponível. Pergunte a qualquer passageiro se alguma vez ouviu um pedido de desculpas a bordo de um avião.

São coisas comuns: o desrespeito aos lugares marcados antecipadamente – você pede corredor e, quando vê, está no sanduíche, sem nenhuma explicação; saber que o vôo foi cancelado apenas quando chega no aeroporto; passar horas de espera sem nenhuma informação de quanto aquela espera vai durar – e, muito menos, ser atendido com água ou lanche.

Não é de hoje: lembro que há muitos anos (o presidente da República era Sarney) fiquei retida no aeroporto de Brasília por mais de quatro horas. Sem explicações e com muita raiva, fui ao DAC reclamar, e, comigo, metade dos passageiros criou coragem. Preenchi um formulário. A resposta veio: seis meses depois, o DAC me informava que “estavam sendo tomadas providências” sobre a reclamação. Guardo esse ofício até hoje, para não me esquecer nunca mais que reclamar de empresa aérea para órgão oficial é o mesmo que nada. E não dá nem para desabafar, porque o formulário não deixa...

Um dia desses, em pleno apagão aéreo, um comandante engraçadinho disse, no vôo em que eu viajava: “Ironicamente, este vôo está no horário.” Nós, os passageiros otários, deveríamos ter talvez passado algumas horas de espera, para satisfazê-lo.

A decadência do tráfego aéreo nacional mantém-se com os equívocos da Presidência da República (melhor distribuir bolsas e garantir votos que dotar de segurança os vôos); com a irresponsabilidade sindical dos controladores de vôo (eu quero o meu, e o resto que se dane); com a inércia de quem deve fiscalizar tudo isso (o todo-poderoso Ministério Público não move uma palha, e o Executivo é conivente); com a voracidade das companhias aéreas, pressionando os custos ao ponto de ruptura dos serviços (check-ins em horários limitados, contenção de pessoal, programas limitados de treinamento e atualização, bagunça nas reservas); com a parcialidade dos políticos (desde que eles sejam bem tratados, não se queixam, eles que viajam sem parar – às vezes até tiram gente do avião); e com a passividade dos viajantes.

Cem mortos, duzentos mortos de uma vez? Parece ser pouco para os interessados, a julgar pela ausência de providências objetivas. O presidente cria um gabinete de crise, espelhando bem seu ponto de vista: trata-se de um tropeço político, e assim será tratado. Depois, Deus dará.