domingo, 28 de setembro de 2014

Buraco Negro


Talvez não haja retrato maior da ineficácia das leis ou da impunidade brasileiras do que o panorama deste processo eleitoral em que mais de duas centenas de candidatos, tanto para cargos executivos como para cargos legislativos, respondem a processos por corrupção e crimes conexos, muitos já condenados por juiz singular.

Já não é só Maluf quem, com a cara de pau que ostentou durante toda a sua vida, encara desdenhosamente processos e instâncias judiciais para, a cada eleição, postar-se como coringa em São Paulo, puxar milhares de votos para as urnas e, de aliança em aliança, de composição em composição, manter-se no topo do que Lula chamou de zelite, palavra que repito aqui para distinguir esse povo da verdadeira elite brasileira.

O site “Congresso em foco” trabalhou sobre os dados dos registros de candidaturas e encontrou 253 candidaturas indeferidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (no Pará são 20). A maioria desses candidatos continua em campanha, exatamente como Maluf, enquanto espera pelo julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. É verdade que eles são apenas 1% dos cerca de 25 mil candidatos registrados. Mas é verdade também que os partidos os registraram porque são puxadores de votos: seus votos engrossarão as legendas e não apenas no cargo para que concorrem, mas para o restante da chapa. Se a candidatura for indeferida e o registro cassado, os votos individuais para esse candidato serão anulados – mas os restantes valem. Beneficia-se o partido e os demais candidatos que compõem a chapa.

O que revolta é saber-se que, exceto o Partido Comunista Brasileiro e o Partido da Causa Operária, que não registraram fichas sujas, todos os demais partidos contam com esses duvidosos puxadores de votos. E que eles puxam votos porque a Justiça Eleitoral é lenta demais, indiferente às consequências de sua morosidade, que incluem afastamento de prefeitos no meio do mandato porque somente dois anos depois é que a impugnação ao registro teve julgamento definitivo. O registro de candidato duvidoso tornou-se um recurso de campanha eleitoral válido – e isto contamina a democracia.

Pode-se dizer que predomina, no caso, o princípio constitucional de que um acusado é inocente até prova em contrário. O problema é que a aplicação desse dispositivo é seletiva, não vale para todas as pessoas: os presídios estão cheios de presos temporários, que cumprem pena antes do julgamento. Mas para a zelite, ele vale. Para o partido que usufrui da fraude, ele vale.

O outro aspecto dessa perversão eleitoral é o fato de serem essas pessoas puxadoras de votos. Milhares de pessoas votam em Maluf a cada eleição, centenas de milhares votarão nos fichas sujas. Eu não acredito na inocência do eleitor contemporâneo, mesmo que ele vote numa seção lá onde Judas perdeu as botas. Ele sabe em quem está votando e vota. Essa massa demonstra claramente que não se importa com a corrupção ou, então, que não confia no Poder Judiciário. Em qualquer das alternativas, aponta para um buraco negro - cuja força gravitacional, como se sabe, absorve tudo o que está em torno - no espaço democrático.

Parece pequeno, esse buraco, considerando-se a relação entre o número de candidatos e o total de fichas sujas. Mas o verdadeiro tamanho dele só se poderá saber no volume de votos que mereceram. E a questão que se coloca é se queremos ou teremos que continuar tolerando essa distorção perversa.