sexta-feira, 29 de maio de 2009

Ronaldo Barata

Ronaldo Barata morreu nesta semana, de câncer – o que jamais esperou que acontecesse, porque foi ameaçado de morte durante grande parte de sua vida, depois de ter passado pelas prisões da ditadura.

Ele nunca fez escândalo disso. Nunca pediu escolta ou segurança, embora tivesse passado grande parte de sua vida como autoridade pública. Ronaldo chefiou o antigo Getrat (o poderoso Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins, cujos poderes eram quase absolutos à época, pouco depois do final da ditadura e sem praticamente sem legislação específica), o Incra e o Iterpa. Ele lutava por uma reforma agrária justa. Assentou milhares de migrantes que encontraram futuro no Pará. Também nunca fez escândalo disso.

A precariedade de sua vida, porém, o deixou com um futuro incerto: ele vivia o presente, seu horizonte era restrito. Por conta disso, e por conta também do próprio temperamento, não se preocupava com garantir-se velhice tranquila e segura. Deixava seus anos de idoso, se lá chegasse, por conta dos amigos – que, de fato, não lhe faltaram na hora mais dura – e do acaso.

Entrou e saiu honrado de todos os órgãos de controle fundiário que dirigiu. Entrou e saiu militando: primeiro, no clandestino Partido Comunista Brasileiro, depois, ao concluir que era preciso mais que bandeiras e agitação para construir uma reforma agrária, na social-democracia do PSDB. Tentou mandatos, mas sua bandeira única restringiu-lhe os votos. Seu mote era a terra produtiva resgatando a miséria. Não é uma bandeira simpática para o eleitorado cada vez mais urbano.

Pois bem. A uma semana de sua morte, precisando urgentemente de uma transfusão, vamos encontrar Ronaldo Barata semi-consciente, bloqueado à porta de um hospital público. Ele continuava pobre como quando começou a carreira pública; não tinha como pagar um plano de saúde, nem dinheiro para se socorrer na rede privada.

Foram horas de negociação e pressão de seus amigos, liderados por Simão Jatene, com Ronaldo na porta do hospital, para que finalmente o Ophyr Loyola o recebesse, e ele passasse os seus últimos dias medicado.

Quero crer que a situação na porta do hospital se devesse à crise por que passa o Ophyr Loyola, e não a outras injunções. Quero acreditar nisso. Outra coisa seria cruel demais.

Muita gente não gostava de Ronaldo. Alguns tinham-lhe ódio mortal. Mas mesmo essas pessoas, cujos interesses ele feriu em algum momento de sua infindável luta, hão de reconhecer que sobre ele jamais pesou sequer a sombra de suspeita por atos escusos. Apesar de lidar com o nervo exposto da questão fundiária. Apesar de ser um negociador, um mediador.

Que diferença!

Ao mesmo tempo, que resposta para os que não acreditam que se possa fazer política e administração pública com decência e honradez!

E com alegria, porque Ronaldo era um homem alegre, que as dificuldades não abatiam – as fotos mostrando sua cabeça branca, nas passeatas repletas de jovens, são uma prova disso.

Hoje, Ronaldo descansa em paz. A consciência não lhe pesa o espírito.