quarta-feira, 12 de março de 2008

Alzheimer

Nos últimos meses, recebi vários textos sobre o mal de Alzheimer.

A demência é um terror ancestral e atávico. Ela ameaça mais que o indivíduo, ameaça a espécie, e o sofrimento que provoca em quem está próximo, atinge para além da superfície emocional e das ligações individuais mais profundas: chega aos medos elementares. Humanos que somos, nossa diferença com os demais animais é o cérebro, que nos garantiu ser espécie dominadora e até fazer com que nos consideremos nobres. A perda progressiva das capacidades geradas pelo cérebro nos atira cara a cara com o inumano. E isso dói.

O último texto que recebi fala em exercitar o cérebro, de todas as maneiras possíveis, quebrando rotinas e isso e aquilo, como prevenção. Eu não acredito muito em pesquisas isoladas; elas são fragmentos pequenos de conhecimento, pequenos demais até para serem interpretadas corretamente. São grãos de areia: o conjunto é poderoso, enfrenta o mar. Sozinhas, sucumbem de roldão. Mas o texto que li fez saltar uma pergunta, decorrente, creio, diretamente do fato de ter ouvido o discurso de Pedro Bial no BBB de anteontem: tevê provoca Alzheimer?

Ouvir aquela lenga-lenga depois de ler uma página de Calvin & Haroldo me fez pensar também em abismos de desigualdades. E em emergentes, daqueles que colocam “Ulisses” debaixo do braço e vão ver “Os 300 de Esparta”. Essa desigualdade às vezes é dramática: não saber pode ser fatal para indivíduos de uma espécie que depende de saber. Fatal na forma do Alzheimer, fatal nas perdas quotidianas e fatal nas perdas coletivas. A ignorância coletiva impede, às vezes, a sobrevivência até. E nesta época de plenárias, consultas às bases, assembléias e orçamentos participativos, fico pensando que condições um votante do BBB tem para aprovar ou condenar uma usina de fissão nuclear.

Eu não sou pessimista, e nem vejo um mundo perdido e pior. Pelo contrário: milhões de pessoas vivem melhor hoje do que antes, mesmo na linha da pobreza ou abaixo dela. Mas nesta civilização há buracos negros, à semelhança do que o Alzheimer faz com o cérebro, e esses buracos precisam ser reconhecidos, para que possam ser tratados.

É preciso lembrar, ainda, que a humanidade não seria tão bem sucedida se não tivesse a enorme capacidade de superação, e, de alguma maneira, conseguir evitar a demência. Uma civilização substitui outra, tem sido assim desde o início dos tempos. A questão é: chegou a nossa vez de sermos substituídos?

Assistir a tevê brasileira aumenta as probabilidades do Alzheimer individual? Induz o Alzheimer coletivo? Ou é apenas mais uma droga para sossegar as massas, como diriam alguns combativos companheiros que acabam de votar a favor da tevê pública e burocrática?