domingo, 31 de agosto de 2014

Salto no quase escuro


Na História do Brasil há vários momentos como esse que estamos vendo nascer agora: uma liderança se projeta e encarna a utopia; a utopia de cada um de repente toma corpo e palanque. Aí a urna vira cartola de mágico: é como se todas as mazelas ficassem curadas de uma só vez.

Aprendizes de mágico sabem como fazer um coelho sair da cartola e a população sabe, perfeitamente bem, que não passa de um truque. No entanto deixa-se envolver pela magia do momento e, a cada vez, se maravilha. Mas os mágicos não farão o número se não dispuserem de um coelho real, de carne e osso, bem treinado e escondido no fundo falso da cartola.

Com as urnas não há coelho escondido: elas se esgotam com o último registro. Mas a magia da utopia enleva e crer é melhor que descrer. Até o dia seguinte, sob as luzes da realidade que permitirão distinguir-se o falso do verdadeiro.

Esses momentos cívicos são bonitos. A população fecha os olhos e salta no escuro, confiante nas luzes do arco-íris no fundo da cachoeira. Pena que sejam apenas reflexos prismáticos: o pote de ouro não estará lá. 

Mas haverá, talvez, diamantes no fundo do rio? Ou apenas pedras? No complexo social, não há drones para saber o que se passa. Há que conferir pessoalmente.

A pré-eleição não é animadora. Esgotada a geração das diretas, o conjunto que a substitui está a quilômetros abaixo dela, em qualidade e coragem. Não há estadistas, há negociantes. Renan Calheiros e Ricardo Levandovisky acabam de montar uma armadilha para o próximo presidente, seja qual for: 34% de reajuste para o Judiciário, o início de uma corredeira que pode atirar o país num poço bem longe da cachoeira e de seu arco-íris. Para deter essa corredeira, há que pagar o preço de uma crise institucional. O primeiro passo do novo presidente será uma barganha com os dois outros Poderes.

A plataforma dos três candidatos com maior intenção de votos é conservadora, banqueira e populista. Está longe, muito longe, de responder à voz rouca das ruas do Sudeste/Sul, e sequer ouve as tímidas vozes do Norte. A montanha russa da política brasileira pode fazer um looping nesta eleição – mas, a menos que o carrinho saia dos trilhos e se despedace, vai continuar o percurso descendente desta fase.

Ou seja: o salto não é tão no escuro assim. Com sorte, dá para alcançar uma laje segura que sirva de degrau.


PS: De repente apareceu nesse texto um monte de palavras assinaladas, não sei porque nem por quem. Por favor, desconsiderem. Eu não autorizei anúncios e nem esses cacos.