sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pronto, chefia!

Ocupante de geral não fala “chefe”, fala “chefia”. E o “pronto”, herdado do serviço militar ou imitado do mais próximo militar conhecido, quer dizer boa vontade.

Depois do liquidificador, essa expressão é a que mais simboliza, para mim, os tempos que vivemos. Porque o liquidificador? porque é doméstico e transforma tudo, absolutamente tudo, num caldo? gororoba? vitamina? suco? homogêneo. Igual ao processo de globalização: casas iguais, roupas iguais, na África ou no Japão, na Dinamarca ou no Paquistão, no Brasil ou no Butão. O que sobra é exótico folclore.

O “pronto, chefia!” já é o indivíduo nessa história. O poder de fogo do mundo globalizado exige: pronto! Então acorde cedo, corra, nade, pule, vá malhar: pronto! Então coma alho cru e tome suco de couve de manhã cedo: pronto! Faça plástica, compre celular, um forno de microondas mesmo sem luz elétrica: pronto, chefia, pronto! E por aí afora. “Não balance o barco”, antevia Arthur Clarke há quatro décadas, como o lema principal da civilização globalizada.

Pouco a pouco, as decisões vêm prontas e empacotadas. Vejo-me de repente na saída de um colégio, cercada de adolescentes: todos trazem mochilas nas costas, tênis nos pés, cabelos displicentes e celulares nas mãos. A camisa do uniforme é mero detalhe: já são iguais antes mesmo de vesti-la.

A lista de despesas é igual em todas as casas – o que varia é ter ou não o dinheiro para atendê-las: residência (aluguel, imposto ou manutenção), luz, água, telefone, supermercado, plano de saúde, dentista, salão de beleza, prestação das outras coisas (dentro ou fora da fatura do cartão de crédito). A brecha para escapar do conjunto é mínima. Às vezes, nem existe.

A tevê irradia ordens: não deixe a água empoçar, compre motocicleta, pague sua última morada enquanto está vivo, não perca o show de amanhã, tome injeção e coma abacate.

Pronto, chefia!

Fiquei impressionada com um programa de tevê norte-americano que trata de livros. Uma simples citação no programa vale mais de três milhões de exemplares vendidos. Impossível não pensar no pior.

Huxley, em 1932, quando descreveu o seu admirável mundo novo deu também a receita para escapar: deixem alguns cérebros de fora desse barco. Ou viraremos colônias de formigas, com enorme capacidade de resistência e sem futuro algum.