sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A combatente que nunca perdeu a ternura

(Especialmente para Samuel, Clara e André)

Elisa leria esse “especialmente” aí em cima e me telefonaria imediatamente:
- Ah, não, senhora! Põe também o Danilo e o Firmino! E dá um jeito de incluir a Verinha! E, olha, também a Maria e a Rosa. Afinal de contas elas já estão comigo há anos!
Ela era assim, a Elisa: um coração enorme, uma generosidade oceânica. Ela era incapaz de chegar e perguntar do que alguém estava precisando. De alguma maneira ela sabia – e, nas horas difíceis, já chegava com o almoço, a capa de colchão, a almofada, o descanso para os pés, ou a palavra amiga. Exatamente aquilo que a pessoa precisava e de que ninguém se lembrara de providenciar.
Sobre sua ternura compassiva desdobrou-se um edifício de lutas de vanguarda: para satisfazer o pai, formou-se professora no IEP. Mas, ao mesmo tempo, conseguiu sua vaga no antigo curso científico, preparatório para a Universidade. Fez os dois cursos simultaneamente; mostrou o diploma ao pai e foi estudar medicina, seu sonho, sua vida, lado a lado com Carmem Tuma, irmã de Simão.
A essa primeira luta, doméstica, seguiu-se a Ação Católica, na JUC, e a participação nos grandes conflitos dos anos de chumbo. Elisa respondeu a inquérito policial-militar; e perdoou todos os que caíram sob a força dos interrogatórios. E abraçou sua grande causa, a saúde pública.
Lembro Elisa às turras com Almir Gabriel, seu grande amigo, discutindo saúde pública. Narrando, indignada, algum desacerto, para Marinalva e Arnaldo Gama. Falando de “coisas do hospital” com Anselmo Bentes e Zélia Amador, com Ana Vicentina e Ronaldo, Margarida, Rosemary Góes, e outros tantos... O hospital é o Barros Barreto, que ela transformou em universitário, com o decisivo apoio do então reitor Nilson Pinto.
Elisa e Beth Santos, lutando juntas, com o apoio de Roberto, pelo Instituto Evandro Chagas. Elisa e Waldir Mesquita, batalhando a implantação do SUS. Elisa falando emocionada de Noel Nutels, seu parceiro de trabalho no então SESP, e me emprestando livros sobre saúde da família. Elisa discutindo a inteligência emocional com Carlos e Dasy Coimbra, com Clarice e Rômulo Alves, Arthêmio e Terezinha Ferreira, Jean Hébette, Davi Laredo ...
Também lembro Elisa recebendo para os aniversários, que ela gostava de festejar, abrindo a casa para amigos, irmãos e suas famílias e cobrando presença, inclusive das crianças e adolescentes, tanto e com tanto amor que Sarah, filha de Edith e Silvério Maia, a escolheu como madrinha.
E lembro, sobretudo, uma frase de dois verbos, extremamente comum no seu vocabulário: “Precisamos ajudar”. O ajudado podia ser um amigo íntimo, ou um completo desconhecido. Ela mobilizava e geralmente conseguia o objetivo – que poderia ser uma visita para conversar, uma ajuda material, uma urgência reconhecida pelos escalões competentes, ou algumas flores de aniversário.
Ela jamais perdeu a ternura. Por isso, no dia em que morreu, plantei finalmente no lugar definitivo a muda de açucena que ela e Samuel me deram. As estrelas brancas e perfumadas me lembrarão sempre desta que foi uma estrela viva, dando rumo e socorro a milhares de pessoas.