quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Para não esquecer

Esta semana mergulhei em Varsóvia.

Eu não gosto de romances nem de filmes de guerra. Tanto nos romances como nos filmes, ela é maquiada. Mas eu leio documentários e vejo documentários. Tento entender como e porque acontece. O que leva as pessoas para a trilha da morte. Ainda acredito que este é um dos capítulos trancados do conhecimento, das coisas que não se sabe sobre a espécie humana.

Mas eu mergulhei em Varsóvia porque a luta polonesa na segunda guerra mundial foi algo de patético. Uma das fotos mais emblemáticas desta luta foi feita por Raymond Cartier, no seu antológico “II Guerra Mundial”: uma carga da cavalaria polonesa contra os tanques alemães. Sabres contra metralhadoras. Uma desesperada coragem, sem nenhuma chance ou alternativa.

O livro é “O Zoológico de Varsóvia”, de Diane Ackerman, e é uma história da resistência polonesa e da salvação dos judeus perseguidos.

Eu li, também, porque é preciso não esquecer até onde pode nos levar o cientificismo. Nesta época de sacralização da ciência, é preciso ter em mente que as muitas vertentes podem ser erradas, podem ser perigosas, podem nos arrastar para o excesso, para a tristeza – e, no rastro dela, à crueldade, como escreveu Drummond.

Há cerca de um mês, eu mergulhei no Gulag. Eu li Soljenitsin assim que saiu a tradução brasileira, ainda na guerra fria. Desta vez, fui pela internet, a partir dos discursos de Putín e Medvedev sobre o assunto – este último disse ser necessário ter o Gulag na memória russa, com todos os seus horrores, para que o país possa resolvê-lo. Eu queria saber como anda essa revisão. Encontrei museus, associações, páginas de depoimentos, a maioria delas ainda não traduzida.

O genocídio é semelhante, as técnicas são diferentes. O extermínio na Polônia durou quatro anos; na URSS, mais de vinte. A morte na tundra siberiana vinha por meio das doenças provocadas pela exaustão nos trabalhos forçados, fome e frio. Era lento e longo; a crueldade cotidiana, levando o horror contínuo para as vítimas, tinha formas diferentes, mas era, essencialmente, a mesma.

Os rasgos de heroísmo – aqueles gestos redentores, que nos devolvem esperanças – também são semelhantes. Em Varsóvia, alta adrenalina. No Gulag, paciência e piedade. Nos dois casos, o passado volta na forma de documentos abandonados, escritos, diários, jornais de resistência.

Eu estou tocando neste assunto, hoje, por causa da visita do presidente do Irã, e do discurso oficial da tolerância para com um homem que nega ter havido um extermínio judeu. Vejam bem: a questão não é com o presidente do Irã. É com Ahmadinejad, mesmo. Khomehini, o aiatolá-símbolo da revolução iraniana nunca chegou a esse ponto, apesar de sacerdote fundamentalista radical e de seu ódio a Israel.

Eu me pergunto até onde a tolerância com Hitler e Stálin responde por Varsóvia e pelo Gulag. E até onde irá o governo brasileiro nesta “ambição de se tornar ator importante no palco diplomático global”, como expressou o NY Times. E fico triste ao ver, nas enquetes feitas pela internet, que a grande maioria dos brasileiros acha que o Brasil não tem nada a perder proporcionando um palanque para Ahmadinejad.