domingo, 3 de julho de 2011

Passarelas globais

Tudo começou com uma coleção de fotografias dos desfiles de moda desta estação pelo mundo. Antes disso, eu havia lido uma entrevista da Carmen Mayrink Veiga, um dos ícones da elegância de alta costura, em que ela dizia que o que se vê nos desfiles é puro lixo – mau gosto, no vocabulário de uma socialite como ela.

Depois, fui olhar as fotos dos vestidos que estão sendo leiloados em Hollywood, da coleção de Debbie Reynolds (os mais velhos vão lembrar-se dela, a mocinha ingênua de quem Liz Taylor tomou o marido), que não conseguiu montar um museu com eles; as fotos de alguns vestidos da princesa Diane, também leiloados, mas em New York; e o tapete vermelho do Festival de Cannes.

Bem, os vestidos que estão sendo leiloados (alguns por pequenas fortunas) são todos clássicos, o que deve consolar a Carmen: a permanência exige um padrão estético bem definido, porque mesmo a simplicidade do vestido branco plissado de Marilyn Monroe só existe com um corte perfeito.

Daí, fui tentar entender porque as passarelas do mundo inteiro vêm apresentando coisas no mínimo absurdas: na Ucrânia, um casal desfilou apenas com tapassexos – só que o dele era uma máscara de caveira e o dela era uma raiz de planta; na França, havia um modelo masculino com uma capa de folhos que lhe cobria metade do corpo, rosto inclusive; na Alemanha, mulheres descabeladas com os rostos pintados de tal forma que pareciam ter saído de uma surra, combinando, aliás, com a roupa rasgada; na Dinamarca, vestiram árvores com a roupa de gente.

Li uns quatro ou cinco artigos, entre eles o resumo de uma dissertação de mestrado e uma reportagem tentando explicar o que acontece. Eis o resumo: a globalização está uniformizando tudo; então as pessoas estão tentando desesperadamente mostrar sua individualidade. Desconstruindo a indumentária para gritar “eu existo, sou um indivíduo, não sou um apenas um número de cadastro”.

O problema é que, mesmo assim, a estética é implacável. Sua base matemática limita as assimetrias, por exemplo; elas têm que ter proporção, ou o olhar se retrai instantaneamente, recusando a desmedida. Então, a desconstrução – misturar estampados com listras, verde com rosa ou roxo com laranja, oncinha com grafismo – também tem um padrão estético indispensável ou vira, como diz a Carmen, lixo.

Um milímetro a mais no rasgão da roupa transforma o sofisticado em brega. É um limite tênue e, como a desconstrução deve ser individual, acaba sendo encontrado no coletivo – aquilo que “todo mundo está usando agora”.

E aí o “eu sou diferente” vira igual, novamente. As roupas descontruídas se tornam tão comuns que um clássico é que será o diferente. Tal como fez Jane Fonda no Festival de Cannes – a mais bem vestida, disseram, a mais elegante, num vestido que a cobria inteira. Com joias, bolsa e sapatos combinando.

Hoje, o que as passarelas da moda devem exibir são ideias para o mercado global. A roupa para vestir é mostrada no interior dos ateliês ou dos salões de venda das lojas de vestuário. A mulher com o rosto cruzado por trancinhas do próprio cabelo, ou o sujeito com metade do rosto pintada de verde, que desfilaram em Paris, são apenas polos radicais e indigestos de uma nova abordagem. As ideias serão tornadas digeríveis nos ateliês pessoais ou industriais que sabem perfeitamente que o que as pessoas vestem está muito aquém da desconstrução. Qualquer foto, de qualquer esquina do mundo retratará gente vestida com tênis, camisa de malha e calça comprida. As variações repousam sobre este conjunto, porque é prático, é barato – e é comum. Sim, comum. Semelhante a todo mundo.

É que há algumas coisas que, de tão evidentes, os teóricos se esquecem. Ninguém gosta de ser notado o tempo todo. Há momentos para aparecer, mas na maior parte de sua vida as pessoas querem passar despercebidas, por milhares de razões. A principal delas talvez seja por que é muito difícil manter, todos os dias, uma boa aparência o dia inteiro e combinar isso com conforto.

O distanciamento dessa realidade vem deixando as passarelas da moda como uma Sapucaí desordenada, combinando show de horrores com exageros de plumas sem nenhum enredo para desenvolver. É divertido, escandaloso e só para aquele momento. A moda, mesmo, rola por fora. Na plateia.