Foi o maior desfile de todos os tempos por aqui: na BR-316,
saída de Belém. Centenas de carros paralisados pela burrice antológica de frear
os carros por meio de obstáculos nas rodovias: semáforos, lombadas, radares e
etc. O dia inteiro dentro de um carro, para quem só tem três para se divertir
ou descansar – é demais.
Havia carrinhos, carrões. Verdadeiras alegorias rumo à
praia: tem gente que leva até geladeira na picape. Gente mascarada com óculos
escuros, gente escondida em carros também escuros. Todas as cores do arco-íris
brilhando na avenida, digo, rodovia. Um repique de buzinas. Êta, carnaval pai
d’égua!
A responsabilidade, ou culpa, não é só das autoridades. Elas
respondem apenas pela burrice de considerar uma estrada como uma rua qualquer,
da mesma forma como colocaram uma arara fiscalizando 60 km/h de velocidade
máxima no acesso ao aeroporto – inclusive de madrugada, vejam só! Mas Belém tem
um trânsito tenebroso porque o desrespeito é um hábito arraigado. Grande
quantidade de pessoas não considera a disciplina do trânsito como um marco
civil, alguma coisa que preserva a vida, o direito de ir e vir, a convivência
harmoniosa entre cidadãos. Elas a encaram como um estorvo a ser retirado do
cotidiano. E cobram fiscalização – mas para os outros.
Há algumas lideranças nessa ideologia, se podemos chamar
assim. Em primeiríssimo lugar, os condutores de ônibus. Não há neles qualquer
resquício, ideia que seja, de manter-se dentro, já não diria da lei, mas da
civilidade. Eles avançam sinal, fecham cruzamentos, apanham e largam
passageiros no meio da rua, mudam o percurso sem aviso prévio, bloqueiam ruas
inteiras, realizam pegas, ultrapassam pelo acostamento e, sempre que possível,
avançam sobre os carros menores para tirá-los da frente. Desculpas? Várias: o
horário, o engarrafamento, o alagamento... Mas são só desculpas; a verdade é
que nada acontece com eles. As empresas não punem e sequer registram as queixas
dos usuários. Com isso, eles se tornaram os profissionais da bagunça.
Logo em seguida aparecem os motoloucos. Compõem um grupo de
motociclistas, talvez nem a maioria, mas extremamente significativo. Eles
ignoram solenemente o fato de que parachoque de moto é cabeça de motoqueiro e o
paralamas, suas pernas. Vivem em alto risco, inclusive servindo de condutores
para bandidos. Consideram-se espertíssimos ao cometer todas as imprudências – e
infrações – que podem. Muitos deles terminam no Renato Chaves. Mas isto não
está sendo lição suficiente: eles conseguem ocupar alas inteiras do Hospital
Metropolitano, cheios de ferragens, de onde sairão com sequelas para toda a
vida.
Em terceiro lugar vêm os pedestres. Sim, os pedestres. Boa
parte deles só usa as faixas de segurança se elas estiverem bem no caminho: se
houver necessidade de andar dez passos para o lado e esperar, pode estar certo
de que eles não farão isso. Eles se aglomeram nas pistas, alegando que perderão
o ônibus se ficarem nas paradas; descem da calçada e andam pelo leito da rua,
alegando que há perigo de assalto perto das casas ou que as árvores atrapalham.
E, finalmente, aqueles que dirigem achando que são imunes a
tudo: à lei, ao fiscal do trânsito e até ao acidente. Esses donos da carteira,
hábeis na carteirada e no suborno, geralmente são péssimos motoristas – afinal
de contas, porque deveriam aprender, não é mesmo? A solução deles é outra... –
e costumam usar a fila dupla e o pisca alerta com a naturalidade de quem tem a
rua inteira para si. Dirigem perigosamente, porque dirigem mal; e conseguem
transformar avenidas em caminhos estreitos de via-sacra.
Todos esses tipos participaram do maior desfile de todos os
tempos em Belém. Sem nem pressentir que dançavam um baile de incompetência e
deseducação. Afinal de contas, desfiles como esse do carnaval acontecem o ano
inteiro, quase todos os dias, em Belém.