terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Para onde vamos?

No dia 20 de dezembro o Diário Oficial da União publicou uma portaria do Ministro da Defesa autorizando uma longa instrução que disciplina o uso das Forças Armadas em operações policiais que, no texto, são apresentadas com o eufemismo GLO – Garantia da Lei e da Ordem, assim mesmo, em maiúsculas. Lá pelo meio do texto, entretanto, no item 4.5.2.2 algum descuido permitiu que a intenção ficasse clara:
As operações tipo polícia terão por objetivos principais: a) controlar a população; b) proporcionar segurança à tropa, às autoridades, às instalações, aos serviços essenciais, à população e às vias de transportes; c) diminuir a capacidade de atuação das F Opn e restringir-lhes a liberdade de atuação; e d) apreender material e suprimentos.
Traduza F Opn por “forças oponentes” – assim define o texto.
Agora, em janeiro, leio e ouço uma quantidade de teoreias – é como eu chamo falsas teorias – em torno dos rolezinhos, traindo uma enorme ansiedade eleitoreira de agradar essa parcela de juventude quase perdida, que não consegue ter bandeiras para lutar nem causas para defender, acostumada a receber sem dar e a consagrar heróis bandidos na vida real e os irreais de games ou de televisão. Mas o caso é que seguranças de shoppings também são, em sua maioria, morenos e pobres. Só que trabalham.
Para onde estamos indo? Eu vi os carros de combate entrando nas favelas do Rio de Janeiro e não creio que eles tenham feito qualquer coisa importante ali, exceto intimidar. Soldados profissionais são treinados para confrontar as tais forças oponentes sem dó nem piedade. Esperamos exatamente isso deles nos casos de pátria em perigo. No rescaldo da chamada pacificação das favelas, sobrou uma quantidade de casos de excesso militar, tanto de soldados de infantaria quanto da polícia militar.
Para que serve usar as Forças Armadas para “controlar a população”? A experiência da ditadura pode responder a essa questão. E, por favor, não esqueçam: a ditadura também esteve coberta por um manto legal tecido por um Congresso domado e pelos superpoderes do Executivo. O AI 5, naquela época, se fundava em canhões. O atual é financeiro: é a corrupção o principal instrumento de controle dos políticos.
Mais adiante, na mesma portaria, ao detalhar os componentes de informação para a operação de inteligência, especificam-se:
1.2. Aspectos Psicossociais: 1) Movimento sindical 2) Movimentos ou organizações que podem comprometer a ordem constitucional 3) Movimento quilombola 4) Organizações Criminosas 5) Religião
E aí eu me pergunto: se o movimento quilombola está especificado aí, cadê o MST e seus aparentados? Será que isso não é discriminação, também? Pior: se é “operação tipo polícia” a prioridade do levantamento não deveria ser para organizações criminosas? E religião – também desestabiliza?
Vamos colocar agora outro elemento na equação: a concentração tributária. Talvez que se pergunte: o que tem a ver? Muita, muita coisa. Dinheiro é poder. Acaba de sair um estudo da Organização Mundial do Comércio: o Brasil tem a segunda maior carga tributária do planeta – e 70% de todo o dinheiro arrecadado está em poder do Governo Federal. Nunca dantes neste país a União teve tanto dinheiro e, lógico, tanto poder. A serviço de quem? Da FIFA, do governo cubano, entre outros mimos, entre os quais corruptos emblemáticos que nunca foram para a cadeia.
Some-se ainda o fato de que, nos últimos 15 anos, somente os órgãos ligados ao poder repressor do Poder Executivo tiveram revisões salariais adequadas. Os melhores salários estão neles: procuradorias, advocacias, controladorias, fiscalização e polícia. É brutal a diferença do que a União – e, a reboque, Estados e Municípios – paga em salários para seus servidores prestadores de serviço (médicos, professores, assistentes sociais, entre outros) e o que paga aos servidores do aparelho repressor.
E, finalmente, o lento desgaste do absurdo protecionismo que os Ministérios vêm dando a tudo quanto é manifestação que estoura sobre os governos estaduais e prefeituras municipais. Qualquer rigor no desfazimento das interdições de ruas e estradas provoca imediata reação do Planalto. É ouvidor pra cá, ministro pra lá, secretário de qualquer coisa para aqui. Silêncio absoluto – quando não, declarações de crítica à ação das polícias estaduais – quanto ao desmando das passeatas e do vandalismo. E, à socapa, numa portaria, se preparam ações que podem ser desencadeadas a pedido dos presidentes do Supremo ou Congresso, ou mesmo por decisão unilateral do presidente da República. Basta que este declare insuficiência de meios para a preservação da ordem pública.
Qual é o resultado desta equação de quatro termos?
Para mim, estão sendo construídos os alicerces de um estado policial. E estão bem adiantados.