segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A gangue do rolê

Na tarde quente dois grupos de jovens se defrontaram. Um, era constituído, em sua grande maioria, por mulheres, com idades entre 18 e 24 anos. O segundo, com maioria de rapazes, com aproximadamente a mesma idade. O primeiro grupo era de vendedoras do shopping, apavoradas, encolhidas no fundo das lojas, cujas lágrimas fizeram os gerentes e donos de lojas, também assustados, fecharem as portas. O segundo era a gangue do rolê.
Mais tarde, ouvi na televisão um porta-voz da gangue dizer que os jovens precisam de mais espaço de lazer.
Pensei nas jovens vendedoras que constroem aos poucos suas vidas dignas. Uma tarde sem vendas por causa dos espaços de lazer lhes trouxe, por certo, redução na remuneração, porque quase sempre recebem comissão pelas vendas: um real aqui, outro ali, duramente conquistados no atendimento aos clientes. Pagam a contribuição sindical obrigatória, mas ninguém arranja creches para as que são mães e elas nem sonham em exigir espaços de lazer. Quando muito, banheiros e um refeitório decentes.
Quase em seguida um jovem taxista, na casa dos vinte e poucos anos, me contava que, na fila onde ele tentou, mas não conseguiu, comprar ingresso para o Remo x Paissandu, um outro grupo de jovens comentava que, se não conseguissem ingresso, “a gente faz um bonde e rouba dos cambistas”. Uns 20 tentaram furar a fila, de uma vez. Eles se autodenominam torcida organizada.
Jovens de periferia abandonados? Mas as vendedoras dos shoppings também moram em periferias, também cantam “Show das Poderosas”! As arquibancadas dos estádios se enchem de jovens trabalhadores de periferia, que economizaram todos os reais para o ingresso trabalhando em serviços pesados, como bater massa na construção civil ou carregar isopores na praia!
Os jovens ocupados, homens e mulheres, são a esmagadora maioria: 77% do total, segundo o IBGE. Essa maioria nunca lembrada vive aterrorizada pelos outros 23%. É roubada, agredida, ameaçada. Não pode ter um celular melhorzinho e, às vezes, nem mesmo um celular qualquer. Sair para o trabalho, para o curso, diurno ou noturno é se tornar alvo. As mulheres guardam o dinheiro na calcinha – pois um dia destes uma delas teve que arriar o jeans e tirar o dinheiro do salário que havia acabado de receber. Na rua. Ela é auxiliar de limpeza e trabalha num hospital de Belém. Mora na periferia, também, e chorou pela perda, pela agressão e pela humilhação.
E eu fico pensando nos tais espaços de lazer. Para que, se os jovens ocupados não podem usá-los sem riscos e, muitas vezes, muito perigo? As pistas de skate, as academias públicas, as praças – ai do casal que for namorar na praça! – são virtualmente interditadas pelas gangues, do rolê ou da torcida. Os jovens ocupados vão para os shoppings onde ainda existe espaço com menos riscos para eles. Se as gangues tomarem também os shoppings os espaços serão só delas.
Há muita coisa errada no sistema criminal brasileiro. (Sobre o assunto, recomendo um artigo de Lenio Streck na página do Conjur. Mas não é possível continuarmos a fazer programas e programas para estes 23% da população jovem esquecendo a maioria decente e construtiva: programas que lhes facilitem o estudo e o trabalho, que premiem de fato o esforço (e não com um mísero notebook para o jovem inventor que ganhou um concurso nacional com uma contribuição extremamente importante para a gestão da água), que os ajudem a construir uma vida melhor.
Lembrar das vendedoras aterrorizadas no shopping, e não só na hora do rolê, é o caminho certo para criar novos heróis para a juventude: o prêmio da conquista não deve vir da violência de um assalto, mas do esforço da paz, pela inteligência e pelo trabalho. Porque se não premiarmos os bons, estaremos premiando os maus.