segunda-feira, 29 de julho de 2013

O papa

Para um argentino, a gramática deve ter sido o menor problema para falar em português. São alguns séculos de solene desprezo vencidos em uma semana: se nós entendemos com certa facilidade o espanhol, os falantes desta língua declaram, sempre, que têm extrema dificuldade para entender o português. O papa argentino mostrou que é só uma questão de boa vontade.
Apesar da disponibilidade para o diálogo, a entrevista foi de príncipe. De cartas marcadas, porque eu não acredito que o repórter que conseguiu a entrevista (e foi ele, porque se dependesse da Globo, seria um, ou uma, âncora) fosse incapaz de não aproveitar as aberturas que o papa deu para perguntas que trouxessem mais calor. E essa é a contradição do papado: uma estrutura principesca (no sentido hierárquico, aqui, não no sentido de riqueza) que, por definição, deve ser humilde.
A agenda foi plural, contemplou o máximo possível de segmentos sociais, num evento gigantesco, organizado e realizado coletivamente. Essa pluralidade, que abrangeu na maior parte do tempo os excluídos mas alcançou, também, os incluídos, foi novidade. E Francisco prosseguiu, silenciosamente, numa tarefa polêmica no seio da Igreja Católica, a desmitificação da pessoa do papa, o que, em síntese, consiste em: um homem foi sagrado papa, mas ele não é sagrado.
E, finalmente, o discurso. Uniforme no seu todo, trouxe, entretanto, dois pontos extremamente importantes, que talvez venham a ser a marca desse pontificado. Duas coisas novas, que de certa forma se completam: a primeira, a completa despreocupação com o proselitismo. A segunda, a união – ou reunião, conforme o caso – para o resgate dos miseráveis. A caridade antes de tudo, até mesmo da própria igreja. Para tanto, defende o Estado leigo e a recuperação da política como a arte do bem comum.
Essa postura é uma abertura para o mundo maior do que a feita por qualquer dos últimos cinco papas que o antecederam. Talvez não pudesse ter sido feita sem as ações e, sobretudo, a renúncia de Ratzinger, quebrando tradições pétreas e abrindo caminhos. E, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, trai uma fé no Evangelho dessas que movem montanhas.
A visita, em si, foi monumental. Uma demonstração do poderio católico que, por ter sido feito por meio do segmento considerado o mais afastado das igrejas, que é o de jovens, deixa entrever uma força que as estatísticas não revelam. É a mesma força dos ícones ortodoxos nas repúblicas comunistas: a Madona pode estar escondida no armário, mas está presente. No devido tempo, aparece.
O que a igreja católica no Brasil vai fazer com as novidades trazidas pelo papa, é difícil dizer. Há muito ela deixou de ser uniforme no pensamento e na ação. Está mais próxima de ser uma enorme rede religiosa, com princípios comuns e ideias divergentes. Mas uma coisa é certa: daqui por diante vai ser preciso tirar o chapéu para a Aparecida, que o tamanhinho dela é só aparência.