terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O urso e a tropa

Fico embasbacada com a declaração do Lula, dizendo que a premiação de “Tropa de Elite” ajuda a mostrar um novo Brasil lá fora.

(A palavra “embasbacada” não está aí por pedantismo. Ela expressa exatamente como me sinto. Ela deriva de “basbaque”, que significa tolo, ou, em português coloquial, otário, babaca, imbecil.)

Mais embasbacada fico quando leio que um instituto de pesquisa constatou que a popularidade de Lula nunca esteve tão boa como agora. Sinto que devo repassar conceitos e aprendizados. E vamos lá.

Estará o Brasil rasgando a fantasia e assumindo sua uma condição de país violento, corrupto e amoral? Mais: será essa a verdadeira condição brasileira, a ponto das pessoas se sentirem bem num país cujo melhor produto cinematográfico pretende retratar uma terra de justiceiros sem lei, e onde você não pode ir a lugar algum sem temer o próximo passo? Num país onde o crime se institucionalizou?

Ou estará o Brasil passando por uma transformação social tão profunda que foge ao alcance do participante dela entender o que se passa? Tão profunda que derruba até os dez mandamentos, e torna legítimo matar, roubar, prestar falso testemunho e assim por diante? Diante do que se passa hoje, a violência sistemática do MST, que tanto assustava o país há dez anos, virou marola de lancha.

Ou, ainda, estará o Brasil rendendo-se às quadrilhas de colarinho preto, branco, marrom ou verde? Mas a violência generalizada indica que dela participa uma porcentagem da população grande demais para ser chamada de minoria. O que me traz à memória um diálogo travado por Charles de Blois, duque da Borgonha, ao tentar reconquistar uma cidade que lhe jurara fidelidade e vassalagem, e que fora capturada pelos ingleses. Charles contava com uma revolta na cidade e foi com surpresa que recebeu a notícia de que os habitantes lutariam com os ingleses. “Mas, porque?” – perguntou ele. E a resposta: - “Eles estão enriquecendo com o comércio...”

Será isso? Eles estão enriquecendo, e por isso estão ao lado de Lula. E, indica o instituto de pesquisa, eram 46%, agora são 52%. Enriquecendo, de qualquer maneira e a qualquer custo: se eu não ganhar bastante, eu tomo, e se resistir, eu mato. Perdão: para muitos, não há condicional. Tomo e mando alguém matar, pronto. E enriqueço.

Muito semelhante às guerras de todos os tipos, em todos os tempos. Mas não estamos numa guerra, ou estamos? A quantidade de mortos diz que sim. Mas o Brasil, país cordial, ainda diz que não. “Tropa de Elite” diz que sim. É guerra, aquilo que se faz no filme. Com todo o seu cortejo de corrupção e barbárie. A recepção ao filme também aponta para um estado de guerra: popular na massa, repugnante para grupos intelectualizados de elite. E Lula vai para a Antártica, levando mulher, filho e papagaio, às nossas custas – e sua popularidade sobe, porque não? Ele mostra o caminho, é assim que se vive – eu gasto o dinheiro dos outros, porque eu posso, eu tenho a força. E se ele faz, porque não toda a multidão que precisa enriquecer?

(Bill Clinton, depois que saiu da Casa Branca, deu uma entrevista digna: ele disse que tivera um caso com a estagiária pela razão pior, apenas porque podia, e se envergonhava disso. Não creio que Lula jamais se envergonhe dos cartões corporativos ou das viagens familiares às custas dos impostos- afinal, “eles” estão enriquecendo, não?).

E se não for isso, for um país mudando de rumo, pronto para assumir o apelido de imperialista, que lhe deram bolivianos, paraguaios, peruanos, argentinos e demais americanos do Sul? Porque esta sede de entrar no Conselho de Segurança da ONU, na assembléia dos ricos, o grupo dos oito?

O urso e a tropa apontam para um rumo assim. Não é o que eu gostaria que fosse.